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Home›Arte›Alphons Mucha : o legado da Art Nouveau

Alphons Mucha : o legado da Art Nouveau

Por Sheila Veloso
maio 13, 2020
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Centro Cultural FiESP

de  18 de setembro de 2019 a 26 de janeiro de 2020 (prorrogada)

Nestes  tempos de  penúria e escassez de  incentivos à Cultura, é um  grande  refrigério para a alma e um colírio  para os olhos ( um chavão, mas que expressa exatamente o que sindo) a exposição que está acontecendo no Centro Cultural FIESP sobre Alphons Mucha, um ícone da Art Nouveau, um dos artistas mais importantes da virada do século XIX para o XX.

Fui a São Paulo com grandes expectativas sobre esta exposição.

Em 2018 perdi uma exposição sobre Mucha no Museu Luxembourg em Paris, com pesar, já que adoro tudo o que se refere à Belle Époque.

Qual não foi minha surpresa quando soube que em São Paulo, aqui pertinho do Rio, estava tendo uma exposição do Mucha, com  curadoria de Tomoko Sato e Ania Rodrigues, o primeiro, também curador da Exposição de Paris. Fiquei animada, estava recuperando o que havia perdido!

Realmente, a exposição está uma beleza!!

O Centro Fiesp é um oásis na confusão que é a Av. Paulista. A exposição está muito bem montada, não é muito grande, mas dá o seu recado, mostrando a essência da obra de Mucha e de sua personalidade, importantíssima para o movimento Art Nouveau em Paris, assim como sua importância no estabelecimento da república Tcheca, após a primeira Guerra Mundial.

A exposição está dividida em quatro seções: Mulheres – Ícones e Musas; O estilo Mucha – Uma linguagem visual; Poder da inspiração e Continuidade do estilo Mucha.O Centro Fiesp é um oásis na confusão que é a Av. Paulista

Vou discorrer sobre cada uma destas seções daqui a pouco, porém, para aqueles que não conhecem Mucha, é preciso dizer que ele ficou famoso por seus cartazes de propaganda das peças de teatro da atriz  Sarah Bernardt, cartazes e postais de propaganda dos mais diversos produtos: de champanhes a produtos de limpeza, passando por chocolates, biscoitos e sabonetes.

Primeiramente, vou contextualizar, no tempo e lugar, Alphons Mucha.

Mucha nasceu em 24/07/1860, numa cidadezinha da Morávia, província do Império Austro-Húngaro, de origem tcheca. Depois de uma infância pequeno-burguesa, que o introduziu à música e à religião (seu pai acreditava mesmo que ele deveria ser padre), ele vai para Viena para desenvolver sua verdadeira tendência artística: o desenho.

Mucha, com 19 anos, foi trabalhar com um decorador, especialista em mobiliário de peças teatrais, e foi introduzido à sociedade local. Em Viena, nesta época, o pintor era um membro da sociedade na qual ele poderia se tornar um ‘rei’,  caso fosse bem sucedido. Influenciado por seu mestre, Markart, retratista das mulheres da sociedade e da aristocracia, ele frequentou a nobreza local tendo tido várias encomendas de nobres  endinheirados.

Um deles, seu mentor Conde Khuen, deu-lhe uma mesada durante sete anos, o que lhe proporcionou o pagamento de seus estudos e sua subsistência. Ele frequentou a nomeada academia de Munique  por dois anos.

Em todos os lugares por onde passou, Mucha sempre procurou os residentes expatriados, seus compatriotas, tendo participado das associações dos expatriados, tornando-se, mesmo, presidente da associação de expatriados tchecos de Munique. Seu sentimento  nacionalista, contra o  imperador austríaco, Francisco José, foi sempre muito forte.

Quando Mucha tinha 27 anos ele se muda para Paris, pois percebe que a Academia e Munique não têm mais  nada de novo a lhe oferecer. Lá ele frequenta a academia Julien, tendo contato com vários jovens artistas , tais como Sérusie, Vuillard e Maurice Denis e a academia Colarossi, onde ele conhece Gauguin.

Seu sempre  mentor, conde Khuen, delibera em 1889, que já é hora de Mucha achar um trabalho. Sendo um ótimo grafista, numa Paris que se prepara para a Exposição Universal de 1889 (a que comemora o triunfo da Répública à ocasião do centenário da Revolução Francesa), não seria difícil de encontrar trabalho. Ele morava numa pensão, frequentada por artistas, fazendo trabalhos menores de ilustrações para livros infantis e cartazes, até que um dia, no fim do ano de 1894, seu amigo Kadar, morador da mesma pensão, lhe pergunta se ele poderia fazer um trabalho de revisão de provas para ele, um trabalho grande que ele, Kadar, não teria tempo de fazê-lo, já que pretendia sair de Paris no Natal.

Mucha estava no lugar certo na hora certa.

Depois de trabalhar durante a véspera de Natal inteira, Mucha vai para a casa seu amigo Lemercier, que trabalhava na tipografia onde  eram impressos os cartazes das peças de Sarah Bernardt. De repente, aparece Brunhoff, diretor de Lemercier, apavorado, já que a atriz queria cartazes de sua nova peça, Gismonda, espalhados pela cidade até o ano novo. Brunhoff sugeriu que ele e Mucha  vissem a peça para este entrar no clima.

 Era pegar ou largar, já que não havia artistas disponíveis e seria um grande projeto de trabalho para um quase desconhecido no meio artístico parisiense.

Encurtando a história: Mucha foi à peça, usando um fraque  alugado e uma cartola (chapeau haut-de-forme) fora de moda, emprestada; após o espetáculo sentaram-se num café na praça do Châtelet, em frente ao teatro Renaissence, hoje teatro Sarah Bernardt, onde Mucha fez um croquis do cartaz. Brunhoff gostou do que viu e saiu em viagem de fim de ano, já que havia cumprido sua tarefa. Quando Mucha mostrou o trabalho, dia 28 de dezembro, para Lemercier, este detestou o estilo do desenho e sugeriu que Mucha mandasse direto ao teatro.

Resultado: Sarah Bernardt adorou o cartaz e desde este dia Mucha foi o pintor exclusivo dos cartazes de peças dela.

Cartaz Gismonda no museu Uměleckoprůmyslové, Praga – Domínio Público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=68448899

Cartaz Gismonda no museu Uměleckoprůmyslové, Praga – Domínio Público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=68448899

O cartaz de Gismonda atraiu o público em geral, já que ele continha a quinta essência do que foi o estilo Art Nouveau. Apresentando um estilo bizantino e formas curvas,  o cartaz traduzia a expressão perfeita do estilo de sua época: o Modern Style, o neobarroco que veio da Inglaterra, apelando para o espiralado dentro da espiral.

As cores usadas na época para os cartazes eram o vermelho encarnado e o vermelho vivo, Mucha, contrariamente, usou uma cartela de cores delicadas acompanhadas do dourado.

Também, o formato alongado que usou  para os cartazes era revolucionário , se comparado ao estilo de cartazes da época (em alguns cartazes mostrados na exposição vê-se a emenda de 2 folhas de papel para formar um cartaz de dimensões inusitadas, quase de tamanho real).

Foi um sucesso estrondoso. Nos cartazes das peças de Sarah Bernardt, ela aparece vestindo os trajes de seu personagem em frente a um nicho ou com uma auréola, o que dá à artista um ar contemplativo, quase melancólico, como se fosse uma estátua ou deusa. Esta maneira de representar a artista promoveu ainda mais na Paris fin-de-siècle, seu status de diva do teatro. 

Sarah Bernardt com indumentária do final do século XIX na nova versão de A Dama das Camélias de Alexandre Dumas.

Mulheres- Icones e Musas

Esta foi a parte da exposição de que eu mais gostei. A entrada é como se estivéssemos num teatro, vendo o palco com a cortina aberta e o cartaz de Gismonda no centro da cena. Outros cartazes de peças de Sarah Bernardt estão expostos numa coluna coberta de veludo vermelho no meio do palco, como se fosse um carrossel.

Foto Paula Murgel Veloso
Primeira sala da exposição

 Em todos os seus cartazes, quer sejam de propaganda de Champanhe Moët – Chandon ou de  produtos de limpeza, encontramos variações em  torno do  ideal feminino, o que se tornou a  marca registrada dos trabalhos de Mucha.

Já relatamos como Sarah Bernardt descobriu Mucha. Daí, a solicitação de seus serviços  para cartazes não cessava: fabricantes de bebidas, de bicicletas, de champanhe faziam fila na sua porta, pouco se importando do preço dos cartazes cobrado pelo pintor.

Mucha, nos seus primeiros tempos parisienses, começou a fotografar seus modelos, que eram jovens desconhecidas, modelos não profissionais. Ele as classificava segundo seu físico: Mme. Tal e Tal: “jovem”, “boa para nús”, “pouco peito”, “boas costas, pernas e bunda”; Mlle. Tal: “gorda”, “sem peito”; outras tinham a classificação “muito boa”, “loura”, “gorda”.  Também fazia observação sobre as que poderiam  ser usadas nos menus que ilustrava para restaurantes em Nice, lugar onde a burguesia passava o verão. Assim, mesmo que usadas em trabalhos com anos de distância, as mulheres nos cartazes se pareciam fisicamente.

Mucha era um ótimo “marketeiro”, fazendo os cartazes conforme o público que queria agradar. As mulheres sempre chamavam a atenção, quer as usadas para produtos que interessariam a jovens mães ou donas de casas burguesas, ou aos produtos que atrairiam aos homens.

Interessante notar, que os cabelos e vestimentas das mulheres, sempre eram esvoaçantes,  ao estilo espiralado, dando um toque sensual, mesmo às mais castas. Já o olhar das mulheres muito dizia sobre o público alvo dos cartazes. O olhar baixo era para as mulheres ditas honestas. O olhar, com olhos abertos, fixando o espectador, mesmo que não transmitisse volúpia tinha  um  quê de sensualidade escondida. Mesmo as mais honestas tinham algo de misterioso a ser desvendado.


https://collections.carli.illinois.edu/cdm/compoundobject/collection/nby_teich/id/428563,
 Domínio Público

Cartaz de cervejaria  Meuse, Mucha 1898 – Art Renewal Center Museum, Donínio Público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=88866

Foto  Sheila Veloso
Alphonse Mucha – Art Renewal Center Museum, image 4433, Domínio Público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=8886962

Ele não costumava mostrar pessoas conhecidas nos seus cartazes. Só Sara Bernardt, aparece numa produção que ele havia feito para a peça a Princesa Distante, peça de Edmond Rostand escrita para ela, com a declaração da artista escrita na barra da saia: “Eu não acho nada melhor do que um petit LU, ah sim, dois petits LUs”, fazendo propaganda dos biscoitos da marca Lefèvre-Utile, vulgarmente conhecidos como “petit LU”.

Alphonse Mucha –
http://ex-libris-argentina.blogspot.com.br/2015/06/alphons-mucha-republica-tcheca,
Domínio Público
Note o escrito na barra da saia de Sarah Bernardt

Com o sucesso batendo `a sua porta, Mucha consegue ter uma vida bastante confortável. Ele é representado pelo impressor Champenois, que tem o direito de reproduzir todos seus trabalhos, em troca de um bom salário mensal (Mucha recebia no mínimo 30 mil francos, por ano).

Seus cartazes publicitários refletem a vida moderna da Paris da Belle Époque, com propaganda  de itens de consumo, mas também de eventos culturais e turísticos. O formato segue o dos cartazes de propaganda das peças teatrais, alongados, com uso harmonioso entre motivos circulares e outros elementos decorativos como flores, mosaicos e fios de cabelos.

Um exemplo é o cartaz Monaco – MonteCarlo feito para a companhia ferroviária que fazia o trajeto de Paris a Monte-Carlo em trem luxuoso: a figura feminina é de uma menina angelical com ares sonhadores, pensando nos prazeres que encontraria em Monte-Carlo; as rodas do trem e os trilhos são evocados figurativamente por cópias da guirlanda de flores da cabeça da menina e talos de flores, respectivamente.

Alphonse Mucha – Art Renewal Center – description,
Domínio Público

Mucha se torna uma figura de destaque na sociedade parisiense. Várias exposições dedicadas a ele são organizadas e cada uma é um acontecimento social de grande afluência. Um exemplo do prestígio de Mucha foi o Salão dos Cem. Este era um espaço de exposição, na rua Bonaparte, número 31, organizado  pelo poeta Leon Duchamps, editor da revista LA PLUME. Esta era uma revista literária e artística de avant-garde, bimensal, dedicando números especiais aos mais prestigiados criadores da época. O Salão dos Cem, inaugurado em 1894, promoveu trabalhos de artistas associados à revista, entre eles Toulouse–Lautrec e os Nabis.

Em 1896 Mucha foi convidado a se juntar ao grupo e em retribuição ao convite, Mucha oferece de presente o cartaz da abertura da vigésima exposição do Salão.

Cartaz para o Salão dos Cem de 1896
Alphonse Mucha Domínio Público

No estilo “uma mão lava a outra”, no ano seguinte, uma grande retrospectiva de Mucha foi feita no Salão dos Cem, quando 448 trabalhos do artista foram exibidos, assim como um número especial de  La  Plume foi consagrado à Mucha .

Cartaz para o Salão dos Cem de 1897 decoração inspirada em arte tcheca da Morávia.
Foto de Sheila Veloso

O estilo Mucha- Uma linguagem visual

“Eu prefiro ser um criador de imagens para pessoas a ser um criador da arte pela arte

                                                                                                Alphons Mucha

A parceria com Champenois foi lucrativa para ambos. Este era um empresário de visão e soube multiplicar o uso da arte gráfica de Mucha  em diferentes meios: a mesma estampa podia aparecer em caixas de biscoitos, em calendários ou cartazes, imprimindo-a sobre papel ou tecido.

Outra fonte de renda foi  o uso  de painéis decorativos no interior de apartamentos. Estes painéis, originais ou inspirados em cartazes, viraram uma febre em Paris no final dos anos 90 do século XIX.

Assim, o mesmo cartaz que se via na esquina, fazendo propaganda de uma peça, era visto dentro de um apartamento ricamente decorado, democratizando a arte, desta forma.

Mucha acreditava que era obrigação do artista fazer chegar a beleza das obras de arte a todos, pois isto serviria para elevar o moral das pessoas, das mais pobres às  mais ricas. Ele usou os painéis decorativos com este propósito como  o meio ideal de fazer transmitir a beleza às pessoas. 

Muito interessante notar como ele associava as diferentes estações do ano ou as horas do dia com o humor das figuras femininas que aparecem nos painéis:  

Despertar da manhã: paisagem primaveril e figura feminina jovem
Foto: Sheila Veloso
Brilho do dia: dia e verão, mulher plena
Foto Sheila Velo
Contemplação noturna-  entardecer e outono, mulher melancólica.
Foto Sheila Veloso
 

Descanso da noite: noite e inverno, mulher sonhadora
Foto Sheila Veloso

Note, também, que em todos estes desenhos Mucha enquadra a composição com uma belíssima janela de inspiração gótica.

Durante seu desenvolvimento criativo, Mucha se inspirou em diferentes estilos artísticos: celta, japonês, grego, gótico, entre outros, mas a arte eslava foi a que mais o influenciou, passando a usar, consistentemente, elementos folclóricos de sua região natal, assim como elementos de origem bizantina em suas obras (Mucha achava que a civilização eslava tinha como berço a arte bizantina).

Alphonse Mucha 1896- http://masterpieceart.net/alphonse-mucha/, 
Domínio Público

Mucha se dedica também a elaborar um manual didático para artesãos e fabricantes, Documents Décoratifs, publicado em 1902, apresentando um estudo analítico de flores e plantas  e seu uso em objetos do dia a dia da época, incluindo jóias, talheres, louças e móveis. Este manual foi considerado objeto valioso para estudantes de artes e ofícios tanto na França como em outras partes do mundo e deu à Mucha a satisfação de sentir realizado seu ideal: criação da arte para ser usada pela sociedade em geral.

No entanto, esta foi, talvez, uma das causas do declínio do Art Nouveau, já que muitos objetos e obras imitando o estilo Mucha apareceram no mercado. Também, a superabundância de cartazes, cartões postais e objetos assinados por Mucha fizeram com  que sua arte fosse motivo de troça pelos artistas do início do século XX.  O Art Noveau desapareceu tão rápido quanto apareceu. Os Fauves, grupo de artistas que usam cores fortes e pinceladas grossas diretamente  do tubo de tinta, dominam a cena em 1906, logo cedendo o lugar para os cubistas e à arte  abstrata.

Mucha,  a partir de 1904, vive mais tempo nos Estados Unidos do que na Europa. Lá ele é badalado pelos ricaços americanos, que querem que ele seja retratista de suas esposas e amantes.

Esta tarefa não lhe agrada, nem é muito proveitosa financeiramente, já que pintar retratos não deixa sua criatividade livre para viajar tanto quanto fazer cartazes. Mucha, contudo, frequentava a sociedade, ensinava em Chicago,  no Instituto de Arte de Chicago (Art Institute of Chicago), em  Nova Iorque e na Filadélfia, assim como fazia alguns trabalhos ligados ao teatro.

Seu último trabalho no estilo Art Nouveau foi em 1908; a decoração do Teatro Alemão, hoje destruído, edificado sob a iniciativa de um grupo denominado Alemães da América. 

Contudo, ele tinha um projeto artístico, a Epopeia Eslava, que contaria a história do povo eslavo através de pinturas monumentais. Em 1910 ele retorna à sua terra natal após 25 anos de ausência, e se dedica a este projeto cujo objetivo final era trabalhar pela liberdade de seu país do julgo do império Austro-Húngaro.

Ele  se dedica a este projeto por 17 anos produzindo 20 painéis enormes contando a história tcheca e eslava, continuando a trabalhar sobre eles até sua morte.

Em 1919, logo após o nascimento da República da Tchecoeslováquia, nove primeiros painéis da epopeia eslava foram expostos em Praga. No discurso que Mucha proferiu na inauguração da exposiçãoele fez apologia de que era chegada a hora de os eslavos  tomarem a si a missão de propagar os ideais humanistas e sociais pela Europa. A exposição dos painéis fez sucesso entre o público em geral, já os intelectuais e os artistas jovens tchecos criticaram os painéis achando-os  realistas de mais e que a mensagem que eles transmitiam nada mais era que um chauvinismo barato.

Nos anos seguintes a Epopeia Eslava continuou a causar divergência de opiniões tanto do ponto vista artístico quanto político.

Em 1935, o jornal oficial do partido soviético tcheco dedicou  um artigo a Mucha, pelo seu septuagésimo quinto aniversário. Nele a Epopeia Eslava era vista sem valor artístico sendo considerada   como uma obra para agradar a burguesia.

Já o patriotismo representado na obra agradava à direita.

No entanto, em 1936, foi o principal jornal socialista quem fez campanha para alojar a Epopeia Eslava num lugar que lhe desse o destaque merecido.

Esta parte da exposição não me agradou tanto quanto as duas primeiras, mas é interessante notar que a figura feminina continua central nas obras, só que agora ela tem um papel  simbólico  representando a alma eslava. Sempre as mulheres aparecem como protetoras da unidade dos povos eslavos, ou sonhando com o ideal de liberdade do povo. Trajam-se com vestidos folclóricos e trazem adornos tipicamente eslavos.

Para estimular o nacionalismo tcheco através do treinamento físico e moral, um festival foi criado em Praga em 1862, o Festival Sokol. Mucha era fã deste festival e criou cartazes em 1912. O tema é bem típico da propaganda russa dos anos que se seguem à revolução de 1917: o mundo real, simbolizado por jovens fortes, atletas ou trabalhadores, orgulhosos de seus  países em frente de suas bandeiras, e o mundo ideal, a Eslávia, como uma mulher também forte e etérea, dando-lhes a benção.

Cartaz de propaganda do Festival Sokol, 1926

Foto Sheila Veloso

Quem já esteve em Praga e visitou a câmara Municipal, jóia do Art Noveau, pode identificar este sentimento nacionalista forte, um tanto perigoso, porém, quando apropriado pela tirania, como no caso de Hitler.

Continuidade do estilo Mucha.

No fim  a exposição mostra o revival do estilo Mucha a partir de 1960, quando uma mostra em Londres fez uma retrospectiva do Art Nouveau e Mucha. Isto resgatou–os do esquecimento que se seguiu ao desaparecimento do Art Nouveau em 1905 e de Mucha, que morreu em Praga em1939, num clima de segunda guerra mundial, seguindo-se do regime soviético.

Em meados dos  anos 60 surgiu o movimento da contracultura hippie. Os músicos do  rock psicodélico, que surgiu nesta época, identificaram  nos cartazes de Mucha os motivos gráficos que viam sob o efeito de drogas alucinógenas, percepções de aspectos inusitados ou desconhecidos, de exuberância criativa.

Os cartazes de várias bandas de rock dessa época tiveram como inspiração os trabalhos de Mucha.

Cartaz para concerto dos Rollings Stones em 1961- David Byr
Cartaz para o concerto de Jim Kweakin Jug Band em 1966 por Stanley Mouse e Alton Kelly.
Foto Sheila Veloso

Compare este cartaz com da propaganda de papel JOB abaixo. A mesma moça

, só qwe mais psicodélica

Propaganda de papel JOB,   Mucha 1896
Domínio Público

Fin-de siècle, Art Nouveau e a Belle Époque

A passagem do século XIX para o século XX foi um dos períodos mais interessantes da história moderna.

A Europa, vista de longe, pode dar a impressão de um mundo harmonioso, unido, povoado de monarquias (exceto a França), cujos monarcas, salvo Francisco  José, da Áustria, eram todos descendentes da rainha Vitória. Mas, internamente, nestes países, suas populações reivindicam reformas sociais e nacionalistas que vão resultar na eclosão da primeira guerra mundial, a Grande Guerra,  cujo fim, em 1919, termina, de fato, o século XIX.

No entanto, por mais que fin-de síècle evoque um sentimento de decadência, langor e desprezo ao progresso, o fim dos novecentos foi imensamente profícuo no campo das artes, ciências, inovações e descobertas: em 1895, os irmãos Lumière inventam o cinematógrafo, que dá movimento à imagem, criando a indústria do cinema; Roentgen descobre o raio X, permitindo ver o invisível do corpo humano; em 1897, Marconi apresenta ao mundo o telégrafo sem fio; em 1900 o automóvel anda a 100 km/h, e Paris inaugura seu metrô, para dar alguns exemplos do progresso que fazem com que  as pessoas  tivessem otimismo e esperança no século que se iniciava. A jovem Parisiense é o modelo de elegância e refinamento, com seu vestuário cuidadoso  rico em detalhes.

O período de 1871 (começo da terceira República/ fim do segundo Império na França) a 1914 (começo da primeira Guerra Mundial) é chamado de Belle Époque (Bela Época). Também chama-se de Belle Époque o clima intelectual artístico desse período. Além das invenções mencionadas acima, a vida cultural, principalmente em Paris, que se tornara o centro cultural e artístico da Europa, estava em ebulição: cabarés (onde o can-can, considerado imoral, era dançado) cinemas, peças de teatro, as  artes visuais e a música surgiam em profusão. As pessoas tinham mais mobilidade devido ao surgimento de meios de transporte populares (bicicleta e metro) ou de velocidade (automóvel). Os meios de comunicação aproximavam as pessoas, encurtando a distância entre elas.

 O Art-Nouveau foi um movimento que se desenvolveu de diferentes maneiras por distintos países da Europa no fim do século XIX. Em cada país  ele tinha sua própria identidade, por exemplo, o que Gaudí construía na Catalunha era completamente diverso da decoração que Guimard criava em  Paris (comparemos  a Casa Batló em Barcelona com as entradas do metrô de Guimard em Paris). Porém, o Art Nouveau tinha um objetivo comum: subverter a ordem estabelecida no domínio das Belas Artes.  

Na segunda metade do século XIX, o interior das moradias de classes médias e altas, obedecia um padrão (tomando-se as devidas diferenças segundo o grau de luxo e refinamento do proprietário do imóvel): a sala de jantar deveria ser de estilo Renascença, o salão (de recepção ou de visitas) e os quartos seguiam os estilos Luiz XV ou XVI. O Art Nouveau propunha uma harmonização estilística  de todos os elementos  de uma peça, desde a pintura e o mobiliário, até aos bibelôs, passando pela fechadura e maçanetas. Todos os elementos deveriam ser coordenados, o que constituía uma ruptura total com a decoração historicista vigente na época.

O interesse pela arte japonesa a partir dos meados do século XIX, (devido ao tratado entre os Estados Unidos e o Japão em 1854) teve enorme influência no Art Nouveau. Pode-se citar o achatamento da figura, sem lugar para a perspectiva e  o elemento decorativo inspirado na natureza (plantas, flores, animais de pequeno porte entre outros). Este interesse foi disseminado por diferentes artistas que tiveram suas obras expostas nas exposições universais de 1889 e 1900  em Paris.

As obras de Mackmurd, arquiteto, grafista e artesão inglês contribuiram para o efeito fluido das obras do Art Nouveau. Em 1883 ele concebeu um espaldar de cadeira  que precipitou a aparição do Art Nouveau no final do século XIX. Era composto de uma fila de tiras entrelaçadas que davam a impressão de terem sido encurvadas pelo vento. A linha curva no Art Nouveau vem dessa obra, dizem os especialistas. 

O Art Nouveau foi o carro chefe de artistas de grande valor que trabalhavam independentemente: Horta, na Bélgica; Gaudí, na Espanha; Mucha Lalique , Galle, na França, para citar alguns dos mais conhecidos. As exposições anuais  dos  Salões, principalmente em Paris, inundaram o mercado com peças Art Nouveau, banalizando o estilo, de forma que a partir de 1905, o público já estava saturado das formas curvilíneas das peças e da repetição, ano após ano, a partir de 1895, dos mesmos motivos nas obras. A linha fluida espiralada, tão apreciada no início, agora parecia ameaçadora, como se fosse estrangular o espectador, a figura feminina característica  da Belle Époque, onipresente nos cartazes, painéis e peças decorativas, agora começa a aparecer como a encarnação do mal, cuja cabeleira atormenta ao invés de encantar.

O movimento Art Nouveau tem sido considerado pelos historiadores de arte, como uma linha  divisória entre a arte reinante no século XIX e a arte que viria a aparecer depois da primeira guerra mundial

A maioria das construções e decorações Art Nouveau foi destruída.

Hoje, depois de um século de seu desaparecimento, o interesse pelo Art Nouveau começa a ressurgir, os museus e colecionadores voltam a adquirir peças Art Nouveau e nos leilões, as  peças originais deste estilo  têm tido seu valor elevado às alturas.

Sendo uma saudosista da Belle Époque, encanta-me o esforço dos artistas  que tentaram fazer chegar a beleza ao povo, no intuito de amenizar  as mazelas próprias daquela época.

A burguesia na Belle Époque conviveu com a população de baixa renda nos cabarés, cinemas e outros ambientes de diversão, diminuindo a distância entre essas classes sociais.

A situação política reinante estimulou o aparecimento de ideias socialistas e democráticas: o povo teria o mesmo direito de opinar e escolher seus dirigentes que os mais abastados e estabelecidos nos altos níveis da sociedade.

O convívio de aristocratas com pessoas do povo, em condições miseráveis, nas trincheiras e “bunkers” durante a primeira  guerra mundial e a luta pelos mesmos objetivos, deu uma projeção às pessoas das classes mais baixas, invertendo-se a ordem social.

Desta forma, o glamour, o requinte, assim como a cordialidade elegante do cotidiano da Belle Époque não encontram mais lugar depois da primeira guerra mundial: os vencedores são aqueles que lutaram pela sobrevivência com um olhar mais realista sobre o progresso e a humanidade.

Um ótimo retrato do que acabo de dizer é o filme “A Grande Ilusão”, do diretor Jean Renoir, que recomendo fortemente.

Referência Bilbiográfica

Duncan, Alastair – Art Nouveau, Coleção L’Univers de l’Art- Ed. Thames & Hudson, 2000.

Ellridge, Arthur- Mucha  Le triomphe du Mordern Style, Ed. Terrail, Paris, 2001.

Folder da exposição Mucha o legado da Art Nouveau Centro Cultural Fiesp.

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