Ateliês Vienenses (Wiener Werkstätte) 1903-1905

Vou discorrer sobre as atividades da Wiener Werkstätte no período entre 1903-1906, mas antes vou falar um pouco sobre a Viena na virada do século XIX / XX.
Viena 1900: ser ou não ser vienense
Um grande quebra-cabeça se impõe aos que procuram entender o que aconteceu em Viena na virada do século 19 para o 20: como um império de dimensões continentais, consistindo de povos de múltiplas nacionalidades (húngaros, poloneses, tchecos, romenos, etc ) governados por um imperador conservador, metódico e burocrático pôde produzir tantas mudanças relevantes em tantas frentes artísticas?
Na arquitetura, Otto Wagner impõe um novo modelo estético funcional, contrastando com o historicismo da Ringstrasse (com seus prédios de influência greco-romana e neo-gótica); na música o dodecafonismo (série de doze semi-tons formando uma escala musical) de Arnold Schöemberg e seus alunos Alan Berg e Anton Webern e as sinfonias de Gustav Mahler onde cohabitam a forma sinfônica clássica com a modernista. Sigmund Freud libera o inconsciente, Theodor Herzl prega a consciência do judaísmo e Karl Lueger, o prefeito social democrata de Viena, propaga um populismo antissemita.
Viena é o lugar de todas as transgressões e da revolta contra um paternalismo sufocante.
A resposta à pergunta pode ser dada através de pontos de vistas socioeconômico, político ou histórico, por exemplo, mas uma maneira interessantíssima de entender a causa de tal revolução é a falta de (e a busca por) identidade da sociedade austríaca, em particular a vienense.
Realmente, a começar pela multinacionalidade dos súditos do império, que falavam diferentes línguas maternas, mas que eram regidos oficialmente pela língua alemã. Para se ter ideia da situação, o parlamento tinha 516 deputados de diferentes nacionalidades, que podiam discursar em qualquer uma das línguas oficiais (alemão, tcheco, polonês, romeno, sérvio, croata, esloveno, italiano, rutênio ou russo), mas não havia tradutores. Assim, o debate era completamente infrutífero, já que a maioria dos membros do parlamento não entendia o que se estava discutindo, e só servia de fachada para a ideia de tomada de decisões democrática.
Nas forças armadas, as ordens eram dadas em alemão para soldados de diferentes origens, e para que todos entendessem, o vocabulário se reduzia a 200 palavras.
Apesar de a literatura ser extremamente desenvolvida, não há editoras em Viena, os livros são editados na Alemanha.
No entanto, no fim do século XIX, os escritores e poetas têm seu valor reconhecido socialmente e a jovem geração de artistas tem acesso a posições de poder e de gerenciamento. Por exemplo, Gustav Mahler, diretor da Ópera de Viena, recebe subsídios oficiais para uma completa modernização da Ópera; Gustav Klimt, tendo rompido com a Academia, funda a Secessão, uma associação de artistas voltada a conceitos artísticos modernos, conta com o suporte financeiro e material de colecionadores particulares, tais como o milionário da indústria siderúrgica, Ludwig Wittgenstein, (pai do filósofo de mesmo nome), mas também recebe várias encomendas públicas do governo e da cidade de Viena.
Os jornais da época exaltam o surgimento de uma arte verdadeiramente austríaca, cosmopolita, opondo-se à ideias nacionalistas pangermânicas vigentes anteriormente.
A definição de uma identidade austríaca é buscada através da harmonia perfeita da arte. Assim, muito resumidamente, podemos explicar o boom artístico da virada do século em Viena.
“1903-05”
Inspirados pelas ideias da Secessão e pelos trabalhos vistos numa visita de Charles Rennie Mackintosh à Viena, durante a 8ª exposição da Secessão, Joseph Hoffmann e Solomon Moser criaram a Wiener Werkstätte.
A Secessão surge em 1897 em Viena, como um movimento liderado por jovens artistas que pretendem criar um estilo moderno das artes visuais, dotando de formas mais puras e abstratas os projetos de imóveis e móveis, os objetos de vidro e metal, segundo o conceito de ‘obra de arte total’ (Gesamtkunstwerk) – obra de arte que usa todas ou muitas formas de arte. Exemplos de Gesamtkunstwerk são as óperas de Wagner, que usam ballet, teatro, poesia, além da música propriamente dita. Os membros fundadores da Secessão têm em mente protestar contra a arte tradicional vigente na época em Viena.
Charles Rennie Mackintosh era designer, arquiteto, escultor e artista decorativo escocês, ligado ao movimento Arts and Crafts, mas é conhecido como o maior expoente da Art Nouveau inglesa. Diferentemente do estilo Art Nouveau francês, curvilíneo e com motivos da fauna e flora, Macintosh prefere um design retilíneo e geométrico.

Mobiliário criado por Charles Machintosh e esposa representantes do estilo Glasgow.
Foto
By Jean-Pierre Dalbéra from Paris, France – Charles Rennie Mackintosh (Kelvingrove, Glasgow), CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Furniture_by_Charles_Rennie_Mackintosh#/media/File:Charles_Rennie_Mackintosh_(Kelvingrove,_Glasgow)_(3838792257).jpg

Cadeira de braços ajustável – Joseph Hoffmann 1904-1906 Museum_für_Angewandte_Kunst_Köln_-_Cologne_Germany_-_DSC09636.jpg
Dominio público
A Wiener Werkstätte, a exemplo do movimento Arts and Crafts surgido na Inglaterra e Escócia nos anos 1860, pretendia ser uma comunidade de artistas e artesão que faria oposição ao historicismo e à tendência corrente na época de imitar de objetos antigos, através da produção esmerada de objetos de estilo despojado, funcional e elegante.
A Wiener Werkstätte começou com o pé direito. Tendo se estabelecido em três salas numa loja, logo se mudou para um prédio de três pavimentos em Viena na Neustiftgasse, 32-34. O milionário da indústria têxtil, Fritz Warndorfer, entusiasta da Secessão, bancava financeiramente a Associação.
Hoffmann e Moser projetaram um monograma para a marca, dois W’s, um dentro do outro, inscritos num quadrado e os produtos saídos dos ateliê deveriam levar uma marca que atestasse sua autenticidade : uma rosa estilizada e os monogramas da associação e de seu criador.

Cartão de propagando da Wiener Werkestätte.
Repare na rosa quadrada do lado direito e no logotipo no canto esquerdo do cartão
Logo em 1904 seus artistas expuseram na Hohenzollern Kunstgewerbehaus (Casa de Artes Decorativas) em Berlim, tendo uma ótima recepção da crítica impressa. O jornal especializado, Deutsche Kunst und Dekoration ( Arte e Decoração alemãs) publicou um artigo sobre a Associação e a partir daí estabeleceu uma parceria com a Wiener Werkstätte, reportando suas atividades.
Neste mesmo ano, a Associação recebeu uma comissão oficial, a produção de uma publicação comemorando o centenário da corte do Império Austríaco e da Imprensa Oficial.
Hoffmann recebeu a encomenda para a decoração do interior do Sanatório Purkesdorf (spa e hospital frequentado pela classe alta vienense) e Kolmann Moser para os painéis da igreja de São Leopoldo (Kirche am Steinhof) igreja do hospital psiquiátrico e centro pneumonológico de mesmo nome.

Sanatório Purkesdorf – Hall de entrada
– foto Thomas Ledl (Own work) [CC BY-SA 3.0 at (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/at/deed.en)], via Wikimedia Commons

Exterior da Igreja Steinhof
Foto de Sheila Veloso
Em ambas as obras pode-se constatar a elegância do estilo clean: traços retos, predominância do preto e branco no assoalho, um ambiente de gosto requintado. A cor dos quadros de Klimt nas paredes do sanatório quebram o clima frio e impessoal de hospital; os painéis da igreja certamente transmitem religiosidade, paz e esperança de forma sóbria e refinada.

Igreja Steinhof painel lateral de Kolmann Moser
Foto Sheila Veloso

Igreja Steinhof- mosaico de Kolmann Moser atrás do altar principal
Foto Sheila Veloso
Hoje em dia a igreja só abre ao público para visitação depois das 16 horas aos sábados e domingos. Ela fica um pouco afastada do centro de Viena: Baumgartner Höhe 1 , 1140, mas vale a pena fazer a viagem de ônibus até lá. Não só a igreja e os pavilhões do hospital (ainda em uso) são lindos, como o local é um parque encantador.
O sanatório Purkesdorf hoje funciona como casa de repouso para idosos e não está aberto à visitação.
Em 1905 Joseph Hoffmann recebe a mais importante encomenda para a Wienner Werkstätte: a construção do palácio Stoclet em Bruxelas, feita pelo magnata, Adolphe Stoclet, banqueiro ligado à rede ferroviária Austro-Belga. Essa obra levou 5 anos para ser terminada.

Foto por Jean-Pol GRANDMONT – commons:File:Woluwe-St-Pierre – Hoffmann 050917 (1).jpg, Josef Hoffmann [CC BY 2.5 (http://creativecommons.org/licenses/by/2.5)], via Wikimedia Commons

Inteior do Palais Stoclet
foto das pp 52-53 do livro Wiener Werkstätte
de Gabriele Fahr-Becker
Angelika, ed. Taschen
O palácio Stoclet ainda pertence hoje em dia à família Stoclet e é fechado ao público, apesar de ter sido declarado patrimônio mundial pela UNESCO em 2004.
Agora, se você quiser saber mais sobre as atividades da Wiener Werkstätte nos anos a seguir acesse Ateliês Vienenses (Wiener Werkstätte) 1906-1932.