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Home›Artistas›Hilma af Klint: uma artista além de seu tempo

Hilma af Klint: uma artista além de seu tempo

Por Angela Nogueira
março 13, 2019
1992
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Até 22 de abril de 2019, no Guggenheim em New York

Em 2018, planejei uma ida à exposição de Hilma af Klint na Pinacoteca de São Paulo, mas acabei não me organizando para viajar, o que se tornou um dos grandes arrependimentos do ano! Mas qual não foi a surpresa ao chegar em New York para passar com meu filho o seu aniversário e dar de cara com o maravilhoso Guggenhein sediando uma bela mostra de sua obra.

Nunca havia ouvido falar da Hilma af Klint, mas o pouco que li sobre a exposição em São Paulo, despertou um enorme desejo em mim de visitar a mostra. A união de diversos fatores torna essa artista totalmente atraente aos meus olhos: artista mulher na virada do séc. XX; pintava mundos “invisíveis” conduzida por espíritos elevados que desejavam se comunicar por meio de imagens; profunda estudiosa de diversos movimentos espirituais; criou as primeiras composições não figurativas antecedendo famosos artistas homens ligados ao abstracionismo; não exibia suas obras e deixou determinado que só fossem mostradas ao público 20 anos após a sua morte, por achar que ainda não estavam preparados para entendê-las. Não parece pouco para atrair olhares e interesse para esta mulher singular.

Quase nada se sabia sobre ela na sua época, muito provavelmente devido ao fato de que ela não exibia suas obras. Suas tentativas de mostrar suas telas e desenhos a grupos específicos não tiveram êxito, reforçando sua crença de que seus contemporâneos não estavam ainda preparados para entender os significados das imagens que ela produzia. Sua “arte oculta” se deve a diversos aspectos, e provavelmente o mais importante deles diz respeito a ser sua obra a representação física na pintura e no desenho daquilo que está além do que nossos olhos podem ver, ou seja, o mundo espiritual.

Ao expressar o “não visível”, Hilma criou uma série de imagens abstratas a partir de 1906, alguns anos antes dos grandes nomes da abstração, como Kandinsky, Malevich e Mondrian, produzirem suas obras não-figurativas e radicais.

Nascida na Suécia em 1862, numa família protestante, Hilma era uma mulher baixa em altura, mas “alta” em ousadia. Tinha olhos azuis, andava frequentemente vestida de preto e era vegetariana. Levou uma vida solitária, não casou e não formou família. Como artista, não se associou a movimentos nem frequentou o meio artístico da sua época,

Não se pode dissociar sua obra da temática espiritual, por isso temos de estar abertos a uma viagem especial, olhando além do que pode ser visto. Suas telas e desenhos são repletos de símbolos, o que abre portas para outros mundos, onde cada pessoa entra ao seu modo e reage de forma diversa, e de acordo com suas buscas e experiências de vida.

Subindo a rampa do museu somos logo atraídos para um outro mundo através de dez enormes e belíssimas telas repletas de cores. “As dez maiores”, que integram a série “The Paintings for the Temple”(1906-1915), são hoje consideradas uma das primeiras obras de arte abstrata no mundo ocidental.

Grupo IV, “The ten largest”, 1907. No 1: Childhood; No 2: Childhood; No 3: Youth; No 34: Youth; No 5: Adulthood; No 6: Adulthood; No 7: Adulthood.Foto Angela Nogueira.

No 8: Adulthood; No 9: Old Age; No 10: Old Age. Para criar essas obras, Hilma af Klint estendeu uma folha de papel de 3 metros no chão de seu ateliê, em Estocolmo, e começou a primeira de uma série de pinturas abstratas. Os especialistas dizem que sua técnica e pinceladas são executadas de uma só vez, sem retoques ou hesitações. Uma proeza em se tratando da técnica tempera sobre papel, um material que não permite a flexibilidade oferecidas por outras técnicas.

Entre novembro de 1906 e abril de 1908, ela criou a primeira parte de “The Paintings for the Temple”, que consiste em 111 imagens em formatos variados.  As peças não foram criadas de forma individualizada e sim em séries, com um tema que se desenvolve e assume diferentes aspectos, São grupos e sub-grupos que se assemelham a um sistema científico.

O grupo das dez enormes telas foi realizado entre agosto e dezembro de 1907. Ao longo desse breve período, Hilma af Klint forjou uma abordagem na pintura sem precedentes, combinando em seu novo estilo peças em tamanho excessivamente grandes, formas simplificadas da arte popular sueca, representações esquemáticas de forças invisíveis encontradas em diagramas científicos e símbolos encontrados em uma variedade de movimentos espirituais. A escala monumental representa ainda mais uma inovação em sua pintura, com poucos antecedentes além das pinturas religiosas encontradas em catedrais renascentistas ou barrocas.

Como se não bastasse, o tema abordado por ela em “As dez maiores” é tão amplo quanto o seu formato. Representado através do abstrato e em formas abstratas, o ciclo da vida humana – infância, juventude, maturidade e velhice -, traze referências ao nascimento e ao crescimento, com todos os diferentes símbolos se movendo juntos, ao mesmo tempo separados e conectados. Essas obras pulsam e se agitam como células sob um microscópio. Algumas palavras, por vezes intraduzíveis, e formas de plantas são percebidas. As cores também nos revelam os diferentes estágios: vibrantes do nascimento até a juventude, e desbotadas na velhice, com os detalhes se dissolvendo, quase sem contornos, numa áurea onírica.

Hilma af Klint frequentou a Real Academia de Belas Artes, principal centro de educação artística da capital sueca no período de 1882 a 1887, não muito tempo após a prestigiosa instituição ter aberto suas portas ao público feminino. Ela se formou com honra e foi premiada pela academia com o uso de um estúdio no centro artístico da cidade. Sua carreira se desenvolveu nos 25 anos seguintes e ela exibia seus trabalhos com certa frequência, pintava paisagens e aceitava comissionamentos em retratos. Trabalhou também como ilustradora para publicações de ciências e de design. Tornou-se membro do board da Associação de Mulheres Artistas Suecas. Seus trabalhos mostravam um grande domínio das técnicas e conceitos clássicos da arte, mas já se delineava seu engajamento nos estilos artísticos mais contemporâneos, notadamente o impressionismo, percebidos na forma de sua pincelada e nas referências aos efeitos da luz.

A prática de se comunicar com os espíritos ganhou popularidade nos Estados Unidos e na Europa por volta de a 2ª. metade do séc. XIX. A ciência avançava rapidamente – descoberta dos Raios-X, das partículas subatômicas, da radioatividade-, o que atraía cada vez mais as pessoas quanto à possibilidade de comunicação com os espíritos invisíveis. Hilma começou a se interessar pelo tema quanto tinha 17 anos, em 1879. A morte de sua irmã no ano seguinte aumentou seu desejo de estabelecer um canal de comunicação com o mundo dos espíritos. Mas logo ela muda seu enfoque e ao invés de tentar falar com os mortos, dedica-se a estabelecer comunicação com espíritos evoluídos de forma a obter insights metafísicos, alinhando sua prática como médium a interesses mais amplos em estudos e teorias esotéricas, em especial Rosacruzismo e Teosofia.

Os movimentos espirituais eram muito mais afeitos às mulheres nesta época e muitas utilizavam a comunicação com os espíritos como uma forma de combater a marginalização feminina imposta pela sociedade. Mas os movimentos não se restringiram ao público feminino e envolveu também importantes artistas homens como o pintor abstrato Kupka, o artista futurista Giacommo Balla e o escritor Victor Hugo.

Desenhos automáticos do grupo “The Five”, 1903. Foto Angela Nogueira

Em 1896 Hilma se une a outras 4 mulheres e formam o grupo “The Five”. Como outros espiritualistas do período, elas entendiam que o estabelecimento de um canal de comunicação com espíritos evoluídos era um caminho para a ampliação do conhecimento. Juntas, em sessões espirituais, as integrantes do grupo começaram a praticar a escrita e o desenho automáticos (psicografia), uma prática comum entre os médiuns, em que ao abrir mão do controle de seu corpo para guias espirituais, as pessoas criavam imagens e textos abstratos.

 

 

No entanto, o grupo “The Five”se dissolve logo após terem recebido mensagem dos guias espirituais para que um templo fosse constituído e abrigasse uma série de pinturas produzidas por meio dos contatos espirituais. Hilma abraça esta causa, mas suas companheiras, temerosas das consequências mentais que tão forte engajamento espiritual poderia causar, aconselham que ela também desista do projeto. Em meados de 1906, Hilma toma como missão levar adiante o que ela chamou de “a grande comissão”.

Assim, em novembro do mesmo ano, Hilma inicia o 1º. grupo de pinturas ao qual chamou de “Primordial Chaos”. Esta série de 26 telas de pequeno formato – a semente de um projeto de vulto nos próximos anos- representa o nascimento do mundo e incorpora formas derivadas de representações científicas do cosmos, microcosmo e átomos. Algumas imagens assemelham-se a paisagens, outras se libertam totalmente da representação, combinando formas geométricas como conchas em espiral, esferas, símbolos como cruzes, letras do alfabeto e palavras sem sentido, mensagens lançadas sobre a tela enquanto seu espírito guia as coloca em sua mente. Todas têm um imediatismo gráfico que as aproximam, em espírito, do surrealismo mais tardio do que da arte abstrata em si. Hilma af Klint descreveu assim o processo de criação dessa série:

“As imagens foram pintadas diretamente através de mim, sem nenhum desenho preliminar e com grande força. Eu não tinha ideia do que as pinturas deveriam representar; no entanto, trabalhei com rapidez e segurança, sem alterar uma única pincelada.”

Grupo I, “Primordial Chaos”, 1906-1907, 14 pinturas a óleo. Foto Angela Nogueira Hilma af Klint também se refere a esta série como “WU”, onde W representa a matéria e U o espírito. As cores também possuem um significado: amarelo para o macho e azul para a fêmea, e quando as duas cores se combinam, criam um verde harmonioso, expressando que o casamento da polaridade é espiritualmente importante.

Os exercícios de automatismo teriam contribuído decisivamente para que Hilma se libertasse dos conceitos acadêmicos e ingressasse num mundo original, povoado de um imaginário abstrato sem precedentes. O espiritualismo foi, sem dúvida, o fator determinante para a ruptura artística em sua obra, dando origem ao projeto da série “The paintings for the temple”.Em meados de 1910, a artista se afasta do mundo artístico de Estocolmo e se concentra inteiramente em desenvolver seu estilo abstrato ligado ao plano espiritual.

Grupo II, The Eros Series (nos2,5,6), 1907. Fotos Angela Nogueira

A série “Evolution”,de 1908, faz referência a desenvolvimento e processos, a como o mundo e a matéria surgiram do espírito. Essa série também é conhecida como “Seven-Pointed Star”,que na tradição cristã é um símbolo de proteção; as sete pontas da estrela referem-se à perfeição de Deus e, ao mesmo tempo, aos sete dias da história da criação do mundo.

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Evolution”, grupo VI (nos7,8,9), 1908. Fotos Angela Nogueira

Ao longo desta série, a abstração e a figuração coexistem e são representadas sem hierarquia. Conchas, espirais e também muitas formas similares a amêndoas estão presentes. Hilma registrou em seus cadernos que a forma de amêndoa surge quando dois círculos se sobrepõem e é chamada de ‘vesica piscis’, um símbolo antigo que representa o desenvolvimento em direção à unidade e à finalização. Também já aparece, aqui elementos da série ‘The Swan’, como a forma de asa que suporta o disco central, além da introdução da iconografia religiosa explorada posteriormente nas pinturas da série ‘The Dove’.

Em outros aspectos, a série também ecoa a busca científica do tempo para uma compreensão mais profunda da evolução e do lugar do homem no mundo.

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Evolution”, grupo VI (nos13,14), 1908. Fotos Angela Nogueira

 

 

 

 

 

 

 

 

“Evolution”, grupo VI (nos15,16), 1908. Fotos Angela Nogueira

De 1908 a 1912, Hilma deixou de trabalhar temporariamente para cuidar de sua mãe que havia ficado cega. Nesse período não realizou nenhuma pintura mediúnica e aceitava encomendas de retratos para sobreviver.  Aproveitou este tempo para estudar o cristianismo esotérico e a literatura de Steiner sobre o Rosacrucianismo. Antes de 1908, pinturas da série “Paintings for the Temple”foram em parte influenciadas por um conteúdo teosófico, mas quando ela retomou seu trabalho na série em 1912, os símbolos cristãos se tornaram mais acentuados e suas abstrações assumiram uma natureza mais geométrica. Hilma af Klint muda também sua abordagem mediúnica e ao receber as mensagens, decide como interpretá-las e expressá-las. Cada vez mais, suas próprias interpretações encontraram caminho em suas pinturas, mesmo que ela continuasse em contato com os guias espirituais.

Os temas relacionados à estrutura espiritual da existência e muitos dos motivos presentes nas obras anteriores permanecem, como espirais, animais e plantas abstratos e imaginário originado da ciência e do esoterismo. Em “Tree of Knowledge”ela usou todas essas estratégias ao ofertar uma interpretação visionária da narrativa bíblica do Jardim do Éden.

“Tree of Knowledge” (nos 1, 2, 3, 4, 5),1913-1915. Fotos Angela Nogueira.

Continuando a subida pelas rampas do Guggenheim, começo a me sentir como indo de encontro a outra dimensão. O templo imaginado por Hilma é uma associação imediata com a arquitetura deste maravilhoso espaço da arte, também construído com a ideia de ser um “templo do espírito”, conforme recomendado a Frank Loyd Wright pela Baronesa Hilla Rebay, curadora e diretora do museu na época:

 “I want a temple of spirit, a monument!”

Guggenheim, foto Angela Nogueira

O impacto é imediato quando nos aproximamos de “The Swan no.1”que retrata dois cisnes como se estivessem voando, unidos pelo toque de uma asa e pelo encontro de seus bicos, um branco e outro negro, em uma imagem que traz diversas referências: luz e escuridão; macho e fêmea; vida e morte; do simbolismo chinês (yin/yang), onde forças aparentemente contrárias são de fato complementares. A polaridade é aqui representada, contrastante e justaposta, numa espécie de luta ou jogo. Nada mais do que nós, humanos. Azul e amarelo, cores assinaturas de Hilma, presentes no bico e nas nadadeiras das aves, expressam talvez o esforço pelo equilíbrio entre os sexos.

Grupo IX, The Swan (no. 1), 1915. Foto Angela Nogueira.

A suíte “The Swan” foi pintada entre 1914 e 1915. Além de sua renomada força e tendências protetoras, o cisne simboliza o etéreo e a transcendência em muitas mitologias e religiões. Na alquimia, ele simboliza a união dos opostos, necessária para a criação da pedra filosofal (que transformaria metais em ouro). Com graus variados de abstração, Hilma af Klint explorou as dualidades nessas pinturas, através de um cisne negro e branco buscando a unidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

Grupo IX, The Swan (nos.7, 9), 1915. Foto Angela Nogueira.

A serialidade é uma característica forte neste grupo de 24 composições no total, onde a relação sequencial entre as obras atinge um efeito poderoso. Após o embate das forças representadas pelos cisnes, elas começam a se combinar, dissolvendo-se e transformando-se em formas abstratas. E assim ascendem a uma dimensão superior, até a reconciliação onde finalmente se unificam.

 

 

 

 

 

 

 

 

Grupo IX, The Swan (nos.11, 13), 1915. Foto Angela Nogueira.

 

 

 

 

 

 

 

 

Grupo IX, The Swan (nos15, 16), 1915. Foto Angela Nogueira.

 

 

 

 

 

 

 

 

Grupo IX, The Swan (nos17, 23), 1915. Foto Angela Nogueira.

 

Dando sequência ao grupo “The Swan”, a série “The Dove” retrata a criação da matéria a partir da luz. Aqui também um pássaro dá o título ao grupo e está presente em algumas de suas imagens, expressando talvez o poder das criaturas aladas na união da dualidade dos reinos superiores e terrenos. Hilma dotava as cores de significados simbólicos únicos e usou uma combinação que se repete em grande parte de seu trabalho: azul e amarelo (azul representa a fêmea e amarelo representa o masculino). Embora essa associação estivesse especificamente relacionada a Hilma af Klint, a crença de que essas duas cores representam uma dicotomia essencial provavelmente era derivada da Teoria das Cores de Johann Wolfgang von Goethe (1810), um livro encontrado na biblioteca da artista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Group IX, “The Dove” (nos.1, 3, 5, 12, 13), 1915. Fotos Angela Nogueira

O último grupo de pinturas da série “The Paintings for the Temple” consiste de três grandes telas que são chamadas de retábulos (“Altarpieces”). Hilma considerava este grupo “um resumo da série até agora”, que reunia elementos de todas os grupos anteriores. As pinturas são fortemente infundidas com simbolismo teosófico, como o triângulo, a estrela de seis pontas e o círculo. Essas obras descrevem conceitos teosóficos de espírito descendo em matéria (involução) e matéria ascendendo em espírito (evolução), um ciclo interminável, as dimensões universais de tempo e espaço sem começo ou fim representados pelo círculo.

Grupo X, “Altarpieces” (nos 1, 2, 3), 1915. Fotos Angela Nogueira

Esta simbologia está claramente presente:  na tela número 1, o triângulo, que alcança o sol, pode ser visto como um desenvolvimento ascendente até a esfera, enquanto o triângulo invertido descreveria o processo oposto. Já na pintura número 3, dois triângulos são combinados em uma estrela de seis pontas no meio do círculo. A estrela é um símbolo esotérico para universo. A trilogia também me chamou a atenção por ela ter usado placa de bronze e por lembrar os grafismos da Art Nouveau.

Hilma não passou pela experiência de produzir “The Paintings for the Temple” de forma ingênua. Ela se aprofundou continuamente em reflexões e estudos para entender o processo pelo qual havia passado e durante o período de 1916 a 1920, avança em sua busca por entender o contexto maior da vida e abre novas direções em seu trabalho, que se torna muito mais geométrico. Durante esse tempo ela pintou as séries “Parsifal”e “Atom”e um conjunto de pinturas sobre as grandes religiões do mundo.

Grupo II, “Parsifal”, 1916. Foto Angela Nogueira

“Parsifal” (no 1), 1916.

A série “Parsifal”, de 1916, trata dessa busca por conhecimento. A 1ª. imagem da série é bastante significativa: uma espiral como muitas voltas que encerra no centro uma luz branca. Pode-se dizer que esta jornada corresponde à viagem interior que Hilma af Klint realizou quando terminou “Paintings for the Temple”, e é também o caminho que todos nós, humanos, tentamos trilhar, cada um a sua maneira. A luz no final poderia ser interpretada como um melhor conhecimento do que somos em outros níveis além do físico e material e também como tudo está conectado.

 

Grupo II, “Parsifal”, “The Convolute of the physical level, no. 84”, 1916. Foto Angela Nogueira.

 

São 144 trabalhos de aquarela em papel, numerados e divididos em três grupos, que revelam um sentido de movimento em progresso. No segundo grupo, a artista atinge um estado minimalista, com os quadrados monocrômicos e inserção de palavras, muitas escritas em letras góticas e no sentido do movimento que descrevem, como “frmata, nedat, bakat, utat, upptat, inat” que expressam direções: “downwards”, “outwards”, “upwards”, “inwards”.

Segundo a lenda medieval, Parsifal era um dos Cavaleiros da Távola Redonda que se junta ao Rei Arthur e sai em procura do Santo Graal que, metaforicamente, pode ser interpretada como uma história sobre a busca de conhecimento espiritual. Tem uma posição central na tradição esotérica e também inspirou Richard Wagner (1813-1883) a escrever sua famosa ópera Parsifal em 1882, que foi apresentada na Royal Opera em Estocolmo na primavera de 1917.

 

A série “Atom” foi realizada em 1917 num processo de trabalho que tinha por objetivo obter maior percepção dos princípios e planos existenciais da dualidade. As descobertas científicas do final do séc. XIX relacionadas às partículas atômicas, radioatividade e outros fenômenos, ofereciam provas aos estudiosos da Teosofia e outras linhas esotéricas, da existência de uma realidade invisível, além das experiências perceptíveis no dia a dia. Hilma af Klint partiu do conceito da menor unidade possível da matéria para ilustrar o processo de evolução espiritual que ela acreditava permear o universo em todos os níveis.

“O átomo tem ao mesmo tempo limites e capacidade de desenvolvimento. Quando o átomo se expande no plano etéreo, a parte física do átomo terrestre começa a brilhar”. (Hilma af Klint: Uma Pioneira da Abstração).

“The Atom Series”, 1917. Foto Angela Nogueira

 

 

 

 

 

 

 

 

Série ”Atom” (noa, 11), 1917. Foto Angela Nogueira

O ano de1920 foi intensamente criativo para Hilma af Klint e ela se dedicou a explorar as grandes religiões do mundo. De forma geral, as religiões são baseadas na dualidade, na divisão em opostos, como o bem e o mal, a ordem e o caos. Para Hilma, nenhuma delas parecia ter alcançado a unidade. Fazendo uso de forma consistente de paleta de cores, formatos e imagens, ela parece nos sugerir que todas as religiões estão de alguma maneira inter-relacionadas. Ela começa a série com um círculo dividido em um semicírculo preto e um branco. Na sequência, as áreas coloridas em preto e branco mudam de acordo com a perspectiva espiritual que a artista está explorando. A série termina com duas obras ilustrando o budismo e o cristianismo, às quais a artista acrescenta cor.

Series II (no 1 Starting picture; no 2a The current standpoint of the Mahatmas; no 2b The Jewish Standpoint at the Birth of Jesus; no 3a Buddha’s standpoint in Worldly Life; no 3b The Standpoints of Judaism and Heathendom; no 3c The Mohammedan Standpoint; no 3d The Christian Religion); no 3d+ The Christian Religion, 1920. Foto Angela Nogueira.

Em 1920, Hilma juntou-se à Sociedade Antroposófica de Rudolf Steiner, um ramo da Sociedade Teosófica que enfatiza a acessibilidade do reino espiritual através da introspecção e do desenvolvimento pessoal. Nesse mesmo ano, ela visitou a sede da sociedade na Suíça e frequentou as aulas de Steiner e outros teóricos, inclusive sobre teoria das cores.

“On the Viewing of Flowers and Trees”, Ear of Grain,1922. Foto Angela Nogueira

Retornando a sua casa, Hilma começou a incorporar em sua prática a técnica de aquarela usada por Steiner mas com as características próprias de suas obras, ou seja, forte presença do divino e desrespeitando a proibição de Steiner no uso da cor preta. Assim, aos mais de 60 anos, Hilma estava pronta a mudar seu foco mais uma vez e começou a analisar o microcosmo e o macrocosmo descobrindo que os opostos são os mesmos e ela os descreveu como imagens de espelho um do outro. Ela abandona as composições estritamente geométricas e começa a retratar a dimensão espiritual da natureza, como na série “On the Viewing of Flowers and Trees”.

 

 

 

 

 

 

 

 

“On the Viewing of Flowers and Trees” (Untitled, Untitled), 1922. Fotos Angela Nogueira

 

 

 

 

 

 

 

Aquarelas, “Untitled”, 1931. Foto Angela Nogueira

 

Aquarela, “Untitled”, 1941. Foto Angela Nogueira

Entre 1920 e 1930, Hilma se dedicou a registrar todas as suas análises, dúvidas, reflexões e descobertas em milhares de páginas de seus cadernos. Nesses registros encontram-se cortes em textos, revisões, trechos reescritos, tabelas explicativas, ou seja, toda sorte de indicações que mostram o exaustivo processo de estudo da artista para entender o que estava por trás do seu trabalho, e para ajudar aos futuros leitores deste seu material na sua compreensão. Só isto já torna fascinante a jornada realizada por essa artista.

Ela escreveu em um dos seus diários:

 “It was claimed that I was a pioneer and was subject to a method of working that was not understood.” 

“I am an atom in the universe that has access to infinite possibilities of development. These possibilities I want, gradually, to reveal.”

 

 

 

 

 

 

 

Os cadernos de esboços do artista são a prova de uma observação obsessiva e contínua da diversidade biológica encontrada na natureza e de como elas se tornam representações diagramáticas das forças vitais que governam seu crescimento. A forma nunca é distinta da vida na arte de Hilma af Klint: as forças espirituais que emergem em pureza em suas pinturas são, como seus desenhos e anotações indicam, também presentes em tudo o que está vivo. Entre esses registros encontra-se também sua ideia de uma estrutura arquitetônica em espiral que deveria abrigar todas as obras por ela pintadas, conforme a comissão por ela recebida dos guias espirituais.

Em 9 de outubro de 1944, ela escreveu em seu último diário o que parece nos dizer que seu trabalho na Terra já fora feito, mas continuaria em outro lugar:

“Você tem um serviço misterioso à frente e em breve perceberá o que se espera de você” (Hilma af Klint: Uma Pioneira da Abstração, p. 279)

Neste mesmo ano, Hilma morreu aos 81 anos após uma queda em acidente com um tram, curiosamente no mesmo ano em que faleceram Mondrian, Malevich e Kandinsky. Em seu testamento, ela deixou mais de mil pinturas, aquarelas e desenhos, e mais de 25 mil páginas em cadernos de notas, para um dos filhos de seu irmão, determinando que somente 20 anos após a sua morte elas poderiam ser mostradas. E assim foi feito, e em 1966, seu sobrinho e um filho desembalaram os materiais e fotografaram as obras, criando em seguida a Fundação Hilma af Klint para proteger o acervo.

Apesar de seu aparente isolamento, seu trabalho é tão desafiador e surpreendente quanto qualquer outro produzido por outros artistas durante esse período de experimentação radical. Não há nada de convencional em suas pinturas, e simplesmente nada como elas. Pelo contrário, eles parecem chegar do nada, como se flertassem com os próprios limiares de visibilidade e dimensões de percepção que suas formas exploram.

Hilma faz uso em suas obras de conceitos presentes em trabalhos de diversos artistas contemporâneos: temporalidade, serialidade, linguagem, inconsciente, ciência e sexualidade.Entrar em contato com a sua arte é entrar em novas dimensões, num universo que ultrapassa os limites de nossas percepções usuais e abrir nossos olhos para a possibilidade de novas experiências. Nada mais atual do que o momento que vivemos, onde a tecnologia nos “transporta” para mundos virtuais. Quem puder aproveitar, embarque nessa viagem!

 

Algumas curiosidades…

A busca espiritual foi um elemento essencial para muitos pioneiros contemporâneos da arte abstrata, como Wassily Kandinsky, Kazimir Malevich e Piet Mondrian. Não surpreendentemente, muitos foram atraídos para a Teosofia, pois suas ideias propunham uma alternativa atraente aos princípios muito estáticos da arte acadêmica.

Ao contrário de Hilma af Klint, Kandinsky, Malevich e Mondrian não afirmavam estar atuando como médiuns em seu processo criativo. Esta foi uma experiência, no entanto, que ela tinha em comum com artistas como František Kupka (1871-1957), Emma Kunz (1892-1963) e o escritor Victor Hugo (1802-1885):

– Kandinsky afastou-se do Expressionismo, deixando a realidade visível para trás. Ele tinha um grande interesse no ocultismo e publicou “On the Spiritual Art” em 1911.

– Malevich chegou através do Cubismo e do Futurismo em suas imagens suprematistas, abstratas e extremamente espirituais.

– Mondrian removeu conteúdo representacional de suas obras, reduzindo suas composições a um jogo de linhas verticais e horizontais, e às cores primárias vermelho, amarelo e azul, com branco e preto. Como teósofo, ele estava buscando uma expressão puramente espiritual das ideias eternas além do mundo visível.

A prática da escrita e do desenho automáticos (psicografia), comum entre os médiuns, requeria que o praticante abrisse mão do controle de seu corpo para guias espirituais e assim receberem as mensagens dos espíritos, registrando-as livremente.

Interessante lembrar que, várias décadas depois, os surrealistas usariam as técnicas de automatismo psíquico, não para transmitir as mensagens dos espíritos, mas para explorar seus próprios pensamentos subconscientes.

Nesta época, o psicanalista Sigmund Freud usava associação livre e desenho automático ou escrita para explorar a mente inconsciente de seus pacientes. Suas ideias influenciaram fortemente o poeta francês André Breton, que lançou o movimento surrealista em 1924 com a publicação do Manifesto do Surrealismo. Breton e outros produziram os primeiros exemplos de automatismo em seus escritos automáticos, com o objetivo de escrever o mais rápido possível sem intervir conscientemente para guiar a mão.

“Puro automatismo psíquico … o ditado do pensamento na ausência de todo o controle exercido pela razão e fora de todas as preocupações morais ou estéticas”. (André Breton, no Manifesto Surrealista).

 

Um pouco sobre os símbolos presentes na obra de Hilma af Klint

O imaginário de Hilma af Klint está cheia de símbolos, letras e palavras. Seria inútil traduzir os símbolos e letras presentes em suas obras de forma definitiva e inequívoca, pois eles devem ser vistos em relação ao contexto como um todo. Em seu caderno “Notas sobre as letras e as palavras pertencentes às obras de Hilma af Klint”, ela tenta esclarecer os significados complexos de vários desses signos. Aqui estão algumas explicações gerais:

– O caracol ou espiral representa desenvolvimento ou evolução.

– O ilhó e o gancho, azul e amarelo, e o lírio e a rosa representam feminilidade e masculinidade respectivamente.

– W significa matéria, enquanto U significa espírito.

– A forma de amêndoa que surge quando dois círculos se sobrepõem é chamada de vesica piscise é um símbolo antigo para o desenvolvimento em direção à unidade e à conclusão

– O cisne representa o etéreo em muitas mitologias e religiões e significa a conclusão na tradição da alquimia.

– A pomba representa no Cristianismo o Espírito Santo e o amor.

 

Para saber mais:

Exposição no Guggenheim: Hilma af Klint: Paintings for the Future

https://www.guggenheim.org/exhibition/hilma-af-klint

Nesta mesma exposição, o museu convidou outra mulher, a artista contemporânea americana R. H. Quaytman para exibir seu novo grupo de pinturas que dialogam com a linguagem estética e temática espiritual de Hilma af Klint (https://www.guggenheim.org/exhibition/r-h-quaytman-x-chapter-34). O interesse da artista pela obra de Hilma ganhou força em 1989, quando Quaytman organizou uma exibição da artista sueca no New York’s P.S.1 Contemporary Art Center

Hilma af Klint Foundation: https://www.hilmaafklint.se/hilma-af-klint-foundation/

Artigo de Daniel Birnbaum, diretor do Moderna Museet em Estocolmo:

https://www.artforum.com/print/201301/universal-pictures-the-art-of-hilma-af-klint-38217

Artigo da Tate Gallery (Londres): https://www.tate.org.uk/context-comment/articles/first-abstract-artist-and-its-not-kandinsky

Artigo, The Guardian: https://www.theguardian.com/artanddesign/2016/feb/21/hilma-af-klint-occult-spiritualism-abstract-serpentine-gallery

Iris Müller-Westermann, do Moderna Museet em Estocolmo: https://youtu.be/yOEJHvVp_n

Hilma af Klint: Painting the Unseen (Serpentine Gallery) – https://youtu.be/24hSFQz2WRs

https://youtu.be/mfKrM2MNKdU

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