Impressionistas em Londres: Artistas franceses no exílio (1870-1904)

De 2 de novembro de 2017 a 7 de maio de 2018 (Finalizado)
De 21 de junho a 14 de outubro de 2108, Petit Palais, Paris
Adoro história e mais ainda quando ela está associada à arte. Foi isso que me atraiu a ver a exposição da Tate Britain sobre os impressionistas que se mudaram para Londres no fim do século XIX fugindo da guerra e as obras que eles criaram vivenciando a atmosfera londrina.
Quando se fala sobre a guerra Franco-Prussiana (1870-1871), nos vem logo à memória a derrota de Napoleão III, a queda do Segundo Império e a instituição da 3ª. República, que culminou na revolta da população de Paris. A cidade não era mais que a sombra dela mesma… As classes populares, famintas, recusam-se a depor as armas e estabelecem um governo revolucionário, a Comuna de Paris. que durou um breve período e trouxe muitas perdas. Milhares de franceses fugiram, incluindo 3.300 comunas e suas famílias.
Mas há um outro lado dessa história que está relacionado aos artistas que viviam na França neste período e migraram para Londres, tema ao qual a Tate Britain de Londres, em colaboração com o museu Petit Palais de Paris, dedicou essa interessante exposição que acontece agora no museu parisiense.
Não esperem ver uma exposição com foco na arte impressionista. Não se trata disso. Apesar do título ressaltar os impressionistas, a mostra inclui diversos outros artistas franceses que, atraídos pelo dinamismo econômico e a clientela aristocrática da pulsante Inglaterra, atravessam o Canal da Mancha para encontrar melhores oportunidades.
A mostra, a primeira a mapear as conexões entre artistas franceses e britânicos, patronos e comerciantes de arte durante um período traumático na história francesa, traz uma visão interessante sobre como Londres foi percebida pelos artistas franceses visitantes e as obras notáveis que foram fruto desse intercâmbio artístico, social e cultural. A experiência no exílio não apenas exerceu enorme influência sobre esses artistas, mas também contribuiu para o cenário artístico britânico trazendo uma certa modernidade. Muitas obras foram adquiridas por colecionadores ingleses.
Muitos foram os motivos que levaram os pintores e escultores inseridos na mostra a mudarem para Londres neste período: alguns perderam seus ateliês, não conseguiam mais viver de seu trabalho, ou queriam evitar o recrutamento, ou escapar da invasão prussiana, mas invariavelmente todos eles referiam-se a sua permanência como exílio. Durante este “exílio”, no entanto, todos se envolveram de alguma forma com a paisagem e a cultura britânicas e exerceram a sua criatividade de uma maneira nova, aproveitando as oportunidades oferecidas pela capital de um império em expansão. Pintaram as paisagens nebulosas nas margens do rio Tamisa, parques verdes, os campos de críquete ou mesmo os eventos da alta sociedade.
“O horror e o terror ainda estão por toda parte … Paris está vazia e se tornará ainda mais vazia … Jamais se imaginaria não haver mais pintores e artistas em Paris”. (crítico Théodore Duret em carta ao artista Camille Pissarro em maio de 1871).
Esta exposição refaz suas histórias e as redes de relacionamento que eles formaram enquanto permaneceram na Grã-Bretanha, além de explorar seus olhares, seus ressentimentos, suas observações, enfim, os sentimentos que eles vivenciaram fora de seu país de origem, tanto dos que retornaram como dos que lá permaneceram. Eles viveram uma Inglaterra com costumes sociais bem diferentes dos de Paris e da França. E aborda também como esses estrangeiros transformaram as representações da arte e da cultura inglesa.
Mas nem tudo foi uma maravilha e muitos tiveram dificuldades em terem suas obras aceitas pelo público britânico. Alguns já são famosos (Carpeaux, Tissot, Daubigny), os outros vão provar isso através do ensino de arte (Legros, Dalou), enquanto os futuros impressionistas (Pissarro, Monet, Sisley) lutam para serem aceitos, mesmo contando com o apoio de Durand-Ruel, comerciante que difunde a arte francesa em Londres.
Essa história termina em 1904 com Derain, que vem para pintar uma Londres nas cores do fauvismo.
Os horrores da guerra
A entrada da exposição nos remete aos horrores da guerra e à devastação da qual os artistas franceses fugiram. São obras que mostram os impactos da guerra e da Comuna de Paris, como no quadro abaixo, de Gustave Doré. Ele trabalhava na Guarda Nacional e testemunhou cenas como esta, onde uma freira leva uma criança para um lugar seguro durante a noite.
“Freira salvando uma criança”, 1871, Gustave Doré. Foto Angela Nogueira
“Guerra Civil”, 1871-73, Edouard Manet. Foto Angela Nogueira
Manet também foi recrutado pela Guarda Nacional e estava em Paris durante o cerco prussiano. Ausente durante a Comuna, ele retornou à cidade logo após a Semana Sangrenta, de 21 a 28 de maio de 1971, episódio final da Comuna de Paris com execução sumária de seus membros, ainda testemunhando cenas terríveis.
“Praça do Carrossel e Ruinas das Tuileries”, 1883, Siebe-Johannes ten Cate. Foto Angela Nogueira
O quadro do impressionista holandês Siebe-Hohannes ten Cate retrata o Palácio de Tuileries um pouco antes de sua destruição, ao ser incendiado pela Comuna em 23 de maio de 1871.
Nostalgia e renovação
Mas a exposição não mostra somente os horrores da guerra, e nos traz uma produção vibrante, como as vistas encantadoras de Daubigny em Londres, a famosa pintura da melancólica Camille Monet, sentada em um sofá num apartamento em Kensington, e trabalhos de artistas menos conhecidos como o escultor Jules Dalou ou Alphonse Legros, e ainda o célebre escultor do Segundo Império, Carpeaux. Ao juntar esses diversos artistas, a mostra nos faz perceber a deslumbrante modernidade trazida pelos impressionistas.
Assim ficamos sabendo como se formou o círculo londrino frequentado pelos futuros impressionistas. Londres, com seu próspero mercado de arte, era um destino atraente para artistas de todo o mundo. Figura importante neste momento foi o negociante de arte Paul Durand-Ruel, nome respeitado na cena artística parisiense, que já havia se mudado para Londres com sua família e seu acervo de obras, abrindo uma galeria na new Bond Street em 1879 que se torna uma base de difusão da pintura francesa, particularmente as obras da Escola de Barbizon, muito apreciada pelos conservadores colecionadores britânicos.
Curiosidade: Durand-Ruel foi um dos mais fiéis defensores e compradores de obras dos impressionistas, expondo obras de Monet e Pissarro durante este período sombrio para os artistas franceses. Mesmo depois ele continuou a comprar obras dos artistas que retornaram a França e também de Renoir, Sisley, Manet. Entre os anos de 1880 e 1882, ele irá adquirir inúmeras obras e também irá exportá-las para diversas galerias, principalmente para Nova Iorque.
Enquanto em Londres, os impressionistas franceses interagiram com seus compatriotas e artistas britânicos e formaram uma comunidade de exilados e refugiados da França. Eles se concentraram principalmente na região do Soho, que recebeu o apelido de “gueto francês”. Até hoje muitos dos cafés e restaurantes frequentados pelos artistas ainda existem, entre eles a Maison Bertaux. Em 1871, M. Bertaux, fugindo da Comuna de Paris, abriu uma pequena pastelaria e salão de chá na Greek Street e rapidamente os doces da Maison Bertaux encantaram os londrinos e tornou-se ponto de encontro de artistas e intelectuais.
Apesar da rede do apoio de Durand-Ruel aos impressionistas franceses, no início, artistas como Claude Monet e Camille Pissarro alcançaram pouco sucesso entre os colecionadores de Londres. São muitas as obras expostas, por isso vou focar em alguns artistas e suas histórias de exílio.
“The mouth of the Thames”,1866, Charles-François Daubigny. Foto http://www.charles-francois-daubigny.org
Charles-François Daubigny visitou Londres em 1865, retornou no ano seguinte a convite de um grupo de artistas ingleses e exibiu uma obra na Royal Academy com algum sucesso. Assim, Londres se tornou um refúgio natural durante a Guerra Franco-Prussiana, apesar de seu desdém pela moderna pintura britânica e da aversão ao clima. Daubigny e a escola de Barbizon encontraram um mercado na Grã-Bretanha.
Daubigny pintou exclusivamente temas do Tâmisa em Londres, dos quais apenas três representam o centro da capital. Sua abordagem naturalista à paisagem e neblina é muito semelhante à pintura de Monet. Enquanto pintava junto ao Tâmisa, Daubigny encontrou Claude Monet, de 29 anos, que atravessou o canal para evitar o recrutamento. Ele pediu a Durand-Ruel para comprar obras de Monet e também de seu companheiro Camille Pissarro. Daubigny foi um mentor para o jovem Monet, e o fascínio pelo rio é comum a ambos.
“Meditação (Madame Monet sentada no sofá)”, 1871, Claude Monet. Foto Angela Nogueira
Claude Monet não viveu bons momentos em sua primeira estadia na Inglaterra, marcada por graves dificuldades financeiras, impossibilitando que comprasse até seus materiais para pintar. No espaço de oito meses, ele fez apenas seis pinturas, entre elas o retrato de sua esposa Camille, no qual podemos perceber o estado de melancolia em que se encontrava. A decoração do espaço retratado na pintura sugere a tentativa de Monet de se adequar ao gosto inglês. Exibida na seção francesa da exposição internacional de 1871, por atuação de Durand-Ruel, a pintura não conseguiu encontrar um comprador. Desencorajado, Monet deixa Londres para passar uma temporada na Holanda antes de retornar a seu país.
Durante o período de exílio em Londres, junto com seu amigo Camille Pissaro, eles visitaram museus da cidade e se maravilharam com o trabalho de Turner e Constable. Monet, em especial, dedicou atenção à técnica de Turner e seus famosos efeitos na neve.
“The Thames below Westminster”, 1871, Claude Monet. Foto Angela Nogueira
O tema dessa Pintura de Monet era absolutamente moderno, já que a ponte e o Palácio de Westminster tinham sido finalizados recentemente (1862 e 1870). Nesta pintura ao ar livre, Monet, assim como Daubigny, usou uma técnica de cores suaves para transmitir a profundidade e a luminosidade do céu nebuloso com seus tons pastel, reservando pinceladas quebradas para o tratamento de reflexos na água.
“Devo admitir que o clima é mais surpreendente: os maravilhosos efeitos que tenho visto durante os dois meses passados observando constantemente o Tâmisa são incríveis.” Claude Monet
“View of the Thames: Charing Cross Bridge”, 1874, Alfred Sisley
Foto dominio público https://www.wikiart.org
Alfred Sisley, apesar de ter nascido na Inglaterra, viveu toda a sua vida na França. Embora seu pai desejasse que ele seguisse uma formação no comércio, Sisley preferiu a pintura e se rendeu ao charme e a boemia franceses com seus amigos Renoir et Monet. Após ter sua casa em Bougival destruída pelos prussianos, veio para Londres patrocinado pelo cantor de ópera Jean-Baptiste Faure, amigo e vizinho de Durand-Ruel. Durante o seu período londrino entre julho e outubro de 1874, produziu 14 pinturas sendo esta a única que ele fez no centro da cidade. Sisley tomou maiores liberdades com a topografia de Londres, representando a catedral numa encosta cheia de telhados. Esta pintura foi dada a Jean-Baptiste Fauré em troca do pagamento das despesas de Sisley.
“Fox Hill, Upper Norwood”, 1870, Camille Pissarro.
© Copyright The National Gallery, London 2018
Camille Pissarro, aos 40 anos, junto com sua parceira Julie Vellay e seus dois filhos se estabeleceram em Norwood em 1870, onde moravam sua mãe e seu meio-cunhado. Ele não pintou o centro de Londres durante essa primeira estadia, concentrando-se nas paisagens de sua vizinhança, que com sua paisagem verdejante o inspirou em muitas obras. O quadro acima é um dos primeiros feitos por ele na primeira estadia londrina. Ele retornou a Londres em 1873 e depois em 1892.
Uma curiosidade: para Pissarro, a ida para o exílio trouxe um desfecho feliz para sua relação com Julie Vellay, sua companheira e mãe de seus filhos. Julie era originalmente a empregada da família Pissarro e por isso o relacionamento deles foi reprovado. Sua mãe chateada havia indicado que só toleraria o casamento, desde que acontecesse em Londres “sem bênção e sem que ninguém soubesse“. Deixando a França, onde sua casa foi transformada em um estábulo por soldados prussianos e virtualmente todas as suas pinturas destruídas, Pissarro viajou para Londres e pôde casar-se com Julie em junho de 1871.
Mas a exposição não tem como foco exibir somente obras de artistas impressionistas e sim mostrar como a chegada a Londres de vários artistas entre milhares de franceses influenciou a transformação da cena artística londrina.
Certamente, há obras de Pissarro, Sisley e acima de tudo uma sala especial, onde se pode ver lado a lado, seis vistas de Westminster sob a “névoa” de Monet e outros da Ponte de Charing Cross. E há também muitas outras pinturas e esculturas de artistas franceses que são tudo menos impressionistas e que muitas vezes são semelhantes a um classicismo acadêmico, mesmo que redescubramos com prazer toda a arte de James Tissot, com uma sala totalmente a ele dedicada.
Tissot e a alta sociedade
James Tissot, cujo verdadeiro nome é Jean-Jacques, já havia exposto na Inglaterra em 1864. Ele gozava de considerável sucesso, morava numa bela casa na Avenue Foch em Paris, quando estourou a guerra franco-prussiana. Então, decidiu-se por atravessar o Canal da Mancha em 1871, após os desfechos da Comuna. Na Inglaterra, ele teve o apoio de Thomas Gibson Bowles, editor da Vanity Fair, revista para a qual Tissot havia produzido caricaturas, que o introduziu na alta sociedade londrina. Rapidamente alcançou sucesso, apesar dos críticos ingleses insinuarem que ele zombava dos costumes britânicos.
Graças a ele, Tissot foi introduzido na alta sociedade, e rapidamente teve sucesso, embora os críticos ingleses insinuassem que ele zombava dos costumes britânicos. Suas pinturas são deliberadamente ambíguas e abertas, caracterizadas por um ponto de vista distanciado. Tissot, como seu amigo Giuseppe de Nittis, tornou-se membro do seleto Arts Club na Hanover Square, comprou uma casa grande em St. John’s Wood, onde viveu com sua esposa irlandesa Kathleen Newton, com quem tem dois filhos. Após a morte de Kathleen em 1882, ele retornou repentinamente a França.
“The Farewell”, 1871, James Tissot – [1], Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2564097
Esta é uma das primeiras pinturas que Tissot produziu após sua mudança para Londres e revela uma tentativa para se adaptar a uma clientela britânica. Em 1872, Tissot exibiu duas obras na Royal Academy, sendo esta uma delas.
“Too Early”, 1873, James Tissot ‘[Public domain], via Wikimedia Commons
Esta é a primeira das cenas da vida moderna e na moda de Londres pintada por Tissot. Os críticos o compararam a Jane Austen, a grande escritora do humor da “sociedade educada”, mas, é claro, Tissot também trouxe a perspectiva de um outsider francês para sua avaliação das peculiaridades da sociedade inglesa.
Vendo através de olhos estrangeiros
Apesar de muitos retornarem à França, o período de exílio dos artistas franceses rendeu uma série de obras inovadoras e continuou pelos anos seguintes. A mostra dedica três salas às representações de cenas de esportes, multidão e parques, além das vistas do rio Tâmisa e Westminster, com o célebre fog londrino, retratado pelo olhar dos impressionistas franceses. Olhar este que revela uma observação apurada e um fascínio pelas paisagens, pelos costumes e cultura britânicos.
Em maio de 1874, Pissarro e Sisley participaram junto com Monet da exposição parisiense que deu nome ao novo movimento: Impressionismo. Essa ousada abordagem da arte, que chocou tanto mestres acadêmicos franceses, defensores de uma pintura suave, como os da Academia Real, trouxe uma nova importância à materialidade da pintura e aos temas da vida moderna.
Durante o período de amadurecimento do movimento impressionista, esses artistas retornam a Londres, reforçando seu apego ao trabalho ao ar livre, apesar de um clima mutável e úmido. Pissarro retornou várias vezes a Londres, onde seus filhos Lucien e Georges haviam se estabelecido. Em 1892 ele alcança um enorme sucesso em sua exposição em Paris, organizado por Paul Durand-Ruel, vendendo todas as suas pinturas.
Segue-se então uma nova estadia do outro lado do canal em que ele pinta o centro de Londres e o Tâmisa, como Monet, seu velho amigo e rival. Ele escreveu para Theo van Gogh (irmão de Vincent, um negociante de arte): “Esta viagem significa muito para mim. Eu acho que voltarei com coisas novas …; minhas sensações serão reavivadas”. Nessa pintura, com Westminster em seu centro distante, Pissarro combinou elementos de pontilhismo em pontos de cor com pinceladas impressionistas. para capturar a névoa de Londres do Tâmisa, alcançando modulações sutis em estilo e cor e excelente luminosidade.
“Charing Cross Bridge”, 1890, Camille Pissarro / [Public domain], via Wikimedia Commons
“The Ball on Shipboard”, 1874, James Tissot / [Public domain], via Wikimedia Commons
“Bank Holiday, Kew”, 1892, Camille Pissarro. Foto Angela Nogueira
Esta imagem dos londrinos reunidos em Kew é única dentre suas pinturas londrinas com representação de um espaço lotado.
“Kew Gardens, Rhododendron Dell”, 1892, Camille Pissarro. Foto Angela Nogueira.
Críticos contemporâneos destacam esta obra da série como inesquecível.
“Eu encontrei uma série de temas magníficos, que tento explorar da melhor maneira possível. O clima está bem favorável, mas quão difícil”. Camille Pissarro
“Leicester Square à noite”, 1901, Claude Monet. Foto Angela Nogueira. Monet era fascinado pelo zumbido de Londres à noite e as iluminações em seu centro.
Mas nada desafiou mais os impressionistas do que o Tâmisa e os efeitos do fog londrino. Daubigny e Monet já haviam enfrentado o desafio de pintar a neblina no rio durante o exílio e Monet criticou pintores vitorianos por insistirem em pintar os tijolos de Londres:
“… tijolo a tijolo … tijolos que eles nem poderiam enxergar. É o nevoeiro que dá a Londres a sua amplitude maravilhosa”.
É realmente emocionante, para quem adora os impressionistas como eu, entrarmos nas salas com as telas do Tâmisa e o fog londrino, e podemos imaginar a novidade representada por essas obras onde “olhos estrangeiros” abordaram o famoso rio e o desafio de seu nevoeiro.
A Série House of Parliament – Claude Monet
Monet retornou a Londres em duas ocasiões, em 1899-1900 e 1901, para trabalhar na célebre série House of Parliament, conjunto de telas que ele considerou como o mais completo de sua série de pinturas tendo o Tâmisa como tema. As telas possuem as mesmas dimensões e, embora o posicionamento do palácio mude, suas proporções não o fazem, tornando este grupo essencialmente um exercício de variações cromáticas.
O conjunto é composto de 19 telas, espalhadas por diversos museus, mas nenhuma delas pertence a uma coleção pública britânica. A exposição da Tate Britain oferece a rara oportunidade de ver seis dessas telas juntas.
“Houses of Parliament, London, Sun Breaking Through the Fog”, 1904, Claude Monet /[Public domain], via Wikimedia Commons
“Houses of Parliament, Sunlight Effect , 1903, Claude Monet / [Public domain], via Wikimedia Commons
Capturar o sol da tarde, que nem sempre aparecia onde ele queria, era um grande desafio para Monet. Esta é a única pintura da série onde o sol está no canto da tela, produzindo reflexos dourados no Tamisa.
Enquanto estava em Londres pintando esta série, Monet se correspondeu com sua segunda esposa Alice que ficou na França, falando sobre o seu progresso nas pinturas.
‘14h30. Eu não posso te dizer que tive um dia fantástico. Coisas maravilhosas, mas que não duraram nem mesmo cinco minutos; é o suficiente para nos deixar louco! Não, não há país mais extraordinário para um pintor. No momento está escuro e tive que acender a luz para anotar minhas sensações para você”
Trechos dessa correspondência estão descritas no link a seguir.
http://www.tate.org.uk/art/artists/claude-monet-1652/tate-etc/i-find-london-lovelier-paint-each-day
Retornando a França, o artista continuou a trabalhar na referida série até 1903, quando ele escreveu a Durand-Ruel:
“Não tenho como enviar a você somente uma tela sobre Londres… É insdispensável tê-las todas a minha frente, e para falar a verdade, nenhuma delas está definitivamente terminada. Eu as estou desenvolvendo juntas.”
No ano de 1904, este trabalho e 36 outras telas fizeram parte da exposição na galeria Durand-Ruel em Paris, exclusivamente dedicada às vistas do Tâmisa retratadas por Monet.
Artistas e seus patronos ingleses
Para além das obras impressionistas de Monet, Pissaro e Sisley, a exposição nos coloca em contato com artistas que caíram praticamente no esquecimento. Uma sala dedica-se às obras do pintor Alphonse Legros e do escultor Jules Dalou, dois artistas que alcançaram sucesso entre a aristocracia vitoriana por compartilharem do olhar conservador da sociedade inglesa.
Alphonse Legros, diferentemente dos exilados da guerra, se instalou em Londres em 1863 por razões financeiras. Sua pintura Ex-voto, exposta no Salão de Paris em 1861, fez sucesso entre os artistas, mas foi mal recebida pela crítica. Ele foi encorajado a atravessar o canal pelo artista James Abbott McNeill Whistler (americano que se estabeleceu na Inglaterra) que junto com Dante Gabriel Rossetti e Edward Burne-Jones, garantiram a ele comissões pela venda de suas obras. Legros foi considerado um modelo de sucesso pelos artistas refugiados franceses, muitos dos quais o procuravam para ajuda e conselhos.
“Ex-voto”, 1860, Alphonse Legros. A pintura alcançou enorme sucesso exposição na Royal Academy de Londres em 1864.
Legros apoiou especialmente o escultor Jules Dalou, obrigado a fugir com sua família após ser acusado de integrar o grupo revolucionário da Comuna, e que acabou desenvolvendo uma carreira próspera na Grã-Bretanha, inclusive com comissões reais: em 1877, a rainha Victoria lhe encomendou um memorial para cinco de seus netos que morreram na infância.
Posteriormente, Dalou ajuda o escultor Edouard Lantéri, que veio para a Inglaterra em 1872, garantindo-lhe uma posição como assistente do escultor Joseph Boehm. Lantéri e Dalou, como Legros, ganharam posições influentes como professores e revolucionaram o modo como a modelagem era ensinada nas escolas de arte britânicas. Eles também foram fundamentais na apresentação de Rodin – todos foram ex-alunos da Petite École – para os apoiadores britânicos, numa época em que o reconhecimento na França demorava a chegar.
Há também uma sala com obras menores do célebre escultor do Segundo Império, Jean-Baptiste Carpeaux. Os danos de guerra em seu ateliê em Auteuil e a iminente guerra civil foram motivos para que ele seguisse, em 1971, o imperador deposto em seu exílio britânico. Carpeaux provavelmente tinha esperanças de que a família imperial exilada ainda o patrocinasse no exterior, mas a perspectiva de fazer incursões no mercado de arte na Inglaterra também era atraente.
Carpeaux se socializou rapidamente com outros franceses refugiados e também com o compositor Charles Gounod e alcançou prestígio junto a colecionadores britânicos como Lord Ashburton e, especialmente, o jovem patrono Henry James Turner (filho do grande pintor inglês Turner). No início de 1872 ele retorna a França, a pedido do príncipe imperial, filho de Napoleão III, que o encarregou de fazer um busto do imperador deposto. Com a morte do ex-imperador, Carpeaux retorna a Londres novamente, onde permaneceu por três meses.
Derain e o Tamisa: Homenagem e Desafio
Duas obras de André Derain sobre o rio Tâmisa fecham a exposição. A escolha da curadoria nos surpreende, já que Derain além de ter integrado o movimento do Fauvismo, também não fez parte do grupo de exilados franceses daquele período.
Derain tinha apenas 23 anos quando visitou a exposição “Vistas do Tâmisa em Londres” na galeria parisiense de Durand-Ruel, em 1904. Ele então escreveu uma carta a seu amigo Maurice de Vlaminck falando sobre Monet, agora reconhecido e celebrado:
“Apesar de tudo, eu o adoro, por causa do seu erro, que é uma preciosa lição para mim. Mas afinal, não teria ele razão de expressar com sua cor fugidia e efêmera, a impressão natural que é apenas uma impressão? Eu estava procurando outra coisa: aquilo que na natureza, ao contrário, tem de fixo, de eterno, de complexo”.
O negociante de arte Ambroise Vollard, à procura de novos talentos, financiou em 1906 a estadia de Derain em Londres, e encomendou que ele pintasse vistas da cidade, ecoando as pinturas de Monet. Mas na verdade, Derain prestou homenagem a Monet escolhendo os mesmos motivos nas margens do Tâmisa e nos parques. Desenvolvendo sua própria expressão, o famoso fauvista nos oferece uma imagem radicalmente nova de Londres.
“Ponte de Charing Cross”, 1906, André Derain. Foto Angela Nogueira
Barcaças no Tâmisa, 1906, André Derain. Foto Angela Nogueira
Mais informações:
Petit Palais – Musée des Beaux-Arts de la Ville de Paris: Avenue Winston-Churchill
Site do Petit Palais: http://www.petitpalais.paris.fr/expositions/les-impressionnistes-londres
Site da Tate: http://www.tate.org.uk/whats-on/tate-britain/exhibition/ey-exhibition-impressionists-london