Museu Camille Claudel- Parte I

Museu Camille Claudel
10 rue Gustave Flaubert, 10400 Nogent-sur-Seine, France
Um tributo mais do que merecido, apesar de tardio, a uma artista inigualável, abandonada e tripudiada, que sofreu o preconceito machista reinante no final de século XIX.
A pouco mais de 100 km a sudeste de Paris, na pequena cidade de Nogent-sur-Seine, foi recentemente inaugurado o Museu Camille Claudel, abrigando a maior coleção de obras do mundo desta artista, que remonta a apenas pouco mais de 40 obras. Além das obras de Camille, o museu mostra obras de Alfred Bucher, o escultor que a descobriu em Nogent-sur-Seine e de outros artistas menos conhecidos cujas obras foram doadas para esta cidade. O museu foi construído aproveitando o imóvel onde a família Claudel viveu 4 anos durante a adolescência de Camille.
A menção do nome de Camille Claudel é imediatamente associada a Auguste Rodin, como sua assistente, musa inspiradora e amante por 10 anos. Também, após a separação, ao esquecimento e confinamento por 30 anos num asilo de loucos, completamente abandonada e afastada de seus amigos por obra de sua própria família.
Mas, quem era Camille Claudel ?
Das pouquíssimas cartas que sobreviveram da correspondência entre Camille e Rodin, encontra-se uma, como as demais, não datada, em que ela termina assim :
« Je couche toute nue pour me faire croire que vous êtes là, mais quand je me réveille ce n’est pas la même chose » (em tradução livre : eu me deito toda nua, para me fazer crer que você esteja aqui, mas quando eu acordo, já não é a mesma coisa).
O que se pode concluir da missivista de uma carta como esta, uma jovem de família burguesa e católica, a um homem 24 anos mais velho no final dos anos 1880? Pode-se depreender, no mínimo, coragem, audácia, sensualidade e paixão da jovem pelo homem mais velho.
Mas muito mais existe no caráter de tal jovem.
Primeiros anos : Nogent–sur-Seine
Camille Claudel nasceu numa família tradicional da Champagne, era a filha mais velha de tres irmãos, Camille, Louise e Paul. A família de sua mãe tinha posses na região de Champagne e a de seu pai, algumas propriedades no Vosges. Sua mãe, boa burguesa que era, tinha como maior preocupação os afazeres domésticos, sem muita curiosidade intelectual e não era muito afeita a demonstrações de carinho para seus filhos. Seu pai, Louis- Prosper Claudel, um funcionário público arquivista, era mais sensível, imaginativo e percebia a natureza curiosa e intelectualizada de seus filhos Paul e Camille. Até sua morte em 1913, ele foi o grande aliado e admirador de Camille.
O avô materno de Camille tinha uma propriedade em Villeneuf, onde a família passava as férias e onde havia uma olaria. Foi lá que Camille descobriu a escultura, tendo como modelo seus irmãos mais novos e seus criados, moldando a argila e fazendo-a cozinhar no forno da olaria.
Aos doze anos Camille e sua família se mudaram para Nogent-sur-Seine, o que foi fundamental para as carreiras de Camille como escultora e a de escritor de Paul. Lá, ela continua a produzir, quase como autodidata, esculturas de personagens antigas e históricas. Nogent–sur-Seine era a terra natal de um jovem e talentoso escultor, Alfred Boucher, morador de Paris, que em visita a seus pais, acaba conhecendo o atelier de Camille. Ele ficou tão impressionado com seu talento que decidiu dar-lhe umas aulas.
Também, em Nogent-sur-Seine, Camille e Paul tiveram aulas particulares com um excelente professor, M. Colin, que lhes ministrou leituras tais como contos medievais (por exemplo, Le Roman de Renard (Romance da Raposa), La chanson de Roland (Canção de Rolando) e matérias (latim, cálculo, por exemplo) que não eram oferecidas , principalmente em escolas para meninas. Foi através de seus ensinamentos que Camille começou a questionar os valores sociais da burguesia e morais da religião católica.
Nogent-sur-Seine, como as demais cidades provincianas, não tinha escolas que oferecessem uma boa formação artística para mulheres. Um ponto muito importante, que evidencia a diferença da formação artística entre os sexos, é que um quadro de nú era a prova da competência de um artista iniciante : se o nú fosse considerado bem feito, o artista era dado como apto a fazer qualquer tipo de pintura. Ora, o acesso ao modelo vivo nas escolas provincianas de arte era considerado indecente para uma aluna. A mentalidade em Paris era diferente.
Foi, então, por influência de Alfred Boucher, que Louis-Prosper Claudel decidiu fazer o sacrifício, financeiro e o de viver longe da família, e mandar a mulher e seus tres filhos morarem em Paris, onde Paul se inscreveu no liceu Louis le Grand e Camille começou a ter aulas na academia Colarossi. Louise, que não tinha maiores aspirações, estudava piano, como era adequado a uma moça de boa família.
Paris e encontro com Rodin
Camille está com 17 anos e Paris em plena efervecência cultural e artística, celebrando a anistia de 1880 aos exilados franceses que se retiraram de Paris na época da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Esta guerra causou grandes mudanças na Europa em geral, e na França em particular. A hegemonia militar na Europa mudou de dono, a Prussia se tornou mais poderosa militarmente que a França ; o império de Napoleão III caiu, com a restauração da república, mas o armistício assinado para dar fim à guerra foi considerado humihante por muitos franceses. Como reação a esta situação muitos parisenses se revoltaram contra o status quo criando a Comuna de Paris. Barricadas foram levantadas, de monumentos e construções oficias foram destruídos pelos «communards» e muitas execuções foram feitas pelas tropas do governo.
Camille não poderia ter escolhido melhor época para se instalar em Paris, respirava-se arte, ateliês se espalhavam pela cidade.
Muitos ateliês e academias de arte privadas ou públicas ofereciam cursos para preparar o ingresso à Escola de Belas Artes, cuja admissão era difícil e que consistia de porta de entrada ao concurso ao prêmio de Roma, cujo vencedor teria acesso imediato ao sucesso e às encomendas oficias. No entanto, a Escola de Belas Artes tradicionalmente não aceitava alunas. Assim, os ateliês, mesmo admitindo alunas, negligenciavam sua educação artística. A academia Colarossi era uma exceção a esta regra : aceitava alunos de ambos os sexos e lhes dava as mesmas oportunidades. Além disso, a academia Colarossi tinha um regime flexível de horário e frequência, deixando o aluno livre para frequentá-la segundo seu desejo, os professores passando uma vez por semana para supervisionar os trabalhos dos alunos.
Em pouco tempo Camille alugou um ateliê perto do apartamento da família, na rua Notre-Dame-des-Champs em Montparnasse, que era a rua com maior número de ateliês no bairro. Algumas outras artistas compartilham esse ateliê com Camille, dividindo o aluguel e a orientação de uma ou duas vezes por semana, dada gratuitamente por Alfred Bucher. Camille torna-se sua protegida e Bucher, cada vez mais entusiasmado com o trabalho dela, resolve apresentá-la a seu antigo professor, Paul Dubois, diretor da Escola de Belas Artes. Ao ver o trabalho David et Golias de Camille, Dubois pergunta se ela tinha tido aulas com Rodin. Camille nunca tinha ouvido falar nele.
Era usual a supervisão gratuita de um artista mais senior aos trabalhos feitos nos ateliês amadores. Bucher partiu para estudar em Florença em 1882, com uma bolsa ganha como prêmio do grand prix do Salão de 1881. Rodin, era amigo de Boucher e a pedido deste, toma seu lugar na supervisão do ateliê de Camille. Assim se dá o encontro entre Camille e Rodin.
Jessie, Rodin e Rue de l’Université
Rodin tinha 42 anos e apesar de ter tido um começo difícil como escultor, começava a ter prestígio no meu artístico, tendo tido a encomenda, feita pelo subsecretário de Estado das Belas Artes, de uma porta (a Porta do Inferno) destinada ao futuro museu de Artes Decorativas.
Também, foi-lhe oferecido pelo mesmo subsecretário um ateliê no Depósito de Mármores, na rua de l’Université. Este era uma espécie de entreposto para pedras e para as esculturas em pedra, assim como um local onde os artistas que alí possuiam seus ateliês poderiam trabalhar nas suas encomendas oficiais. Ter um ateliê no Depósito de Mármores era um indicativo de prestígio.
No ateliê da rua Notre-Dame-des-Champs Camille era a líder das artistas que ali trabalhavam : ela escolhia as modelos e poses e decidia as tarefas de cada paticipante do ateliê com determinação e firmeza. Ela não aceitava que a desrespeitassem, por ser jovem, nem que a intimidassem, por ser mulher. No entanto, o ambiente no ateliê era de camaradagem e as artistas trabalhavam com afinco, fazendo o máximo para tornar o ambiente agradável.

Da esquerda para a direta:Jessie, Camille e sua irmã Louise, tomando chá e fumando no ateliê.
foto de William Elboune reproduzia do livro Camile Claudel Lee génie est comme un miroir.
Helène Pinet e Reine-Marie Paris
Em 1883, Camille e outra artista do ateliê, tiveram obras aceitas pelo Salão organizado pela Sociedade dos artistas franceses. Este Salão acontecia todos os anos na avenida dos Champs-Elysées e era uma espécie de mercado onde as obras vencedoras eram compradas pelo Estado e onde os ganhadores de prêmios recebiam encomendas oficiais. Contudo, apesar de um grande número de mulheres participar do Salão, elas nunca ganhavam medalhas, só menções honrosas.
Em 1884 o ateliê da rua Notre-Dame-des-Champs recebe Jessie Lipscomb, inglesa que vem para Paris em busca de um formação profissional sólida baseada na independência criativa e individualidade de expressão, fugindo das restrições impostas pela sociedade puritana vitoriana. Jessie foi uma peça fundamental na ligação entre Camille e Rodin. É através de sua correspondência com Rodin, que se tem mais informação sobre o início do caso amoroso entre Camille e Rodin ; também, é através das fotografias de Wiliam Elborne, seu então noivo, que temos acesso ao ambiente de trabalho no ateliê de Rodin. As últimas fotos de Camille, já no seu confinamento, foram tiradas por ele, agora marido de Jessie, quando de uma visita do casal a Camille. Uma das raríssimas visitas que Camille recebeu ao longo de seus 30 anos de reclusão.

Camile Claudel Camille Claudel no hospício de Montdevergues _foto de William Elborne, reproduzida do catalogue raisonné Camille Claudel. Editions Aittouarès/Paris

Camille Claudel e Jessie no ateliê da rua Notre-Dame-des- Champs (anterior a 1930) William Elborne – http://www.musee-rodin.fr/en/resources/educational-files/rodin-and-camille-claudel http://the100.ru/en/womens/camille-claudel.html http://theredlist.fr/wiki-2-24-224-268-view-culture-art-fashion-profile-camille-claudel-auguste-rodin.html dominio público
Jessie aluga um quarto no apartamento da família Claudel e seu interesse pela escultura faz com que ela seja a companheira de Camille nas idas ao museu do Louvre e de História Natural para se exercitarem em desenhar.
Rodin recebe a encomenda da escultura dos Burgueses de Calais e, impressionado pelo talento das duas, convida-as para serem suas assistentes no atleliê do depósito de Mármores. É um arranjo perfeito, pois a duas servem de acompanhantes mútuas, já que não seria apropriado uma moça de boa família trabalhar no meio de tantos homens. O trabalho era árduo, entre outras tarefas, mais braçais, tais como preparar a argila, o gesso e as ‘armatures ‘ (peças metálicas que servem de sustentação para as esculturas em argila) para Rodin, Camille se incumbia, principalmente, de modelar os pés e mãos de muitos de seus personagens.
Ser assistente de um artista muitas vezes apaga ou funde a criação do assistente com a do artista. Frequentemente o artista só finaliza e assina uma obra feita quase inteiramente pelo assistente e o estilo dos dois ficam confundidos. Por exemplo, em 1887, Camille termina uma escultura em terracota, que ela denomina Jeunne fille à la gerbe (Moça com um feixo de trigo) dois anos mais tarde, Rodin assina Galatea, uma escultura em mármore, cuja pose é muito parecida a da estátua de Camille. Uma foto de Jessie, feita por seu noivo em 1887, mostra ela trabalhando numa escultura semelhante, só que com uma criança nos braços da jovem, que faz lembrar a escultura A jovem mãe, de Rodin.

Moça com feixe de trigo- Camille Claudel, Musée Rodin www.camille-claudel.fr.

Galatée -La Jeunesse
Aproximadamente 1887 ?Museu Rodin
Camille passa de assistente a conselheira e colaboradora de Rodin. Daí a se tornar sua amante, foi um passo.
No próximo post você vai saber mais sobre essa relação. Clique aqui!