Museu de Montmartre – rua Cortot, 12

Montmartre é o tipo de bairro de Paris, aonde todo mundo vai pelo menos uma vez, mas para o qual poucos voltam.
Primeiro, é fora de mão para quem gosta de ficar no eixo Saint-Germain-des-Prés/Quartier Latin. As estações de metrô que servem o bairro são aquelas que a gente pega só para ir para Montmartre, já no final das linhas: Pigalle, Anvers, Lamarck Caulaincourt. Algumas ficam a mais de 90 degraus abaixo da superfície; ainda bem que têm elevador, mas às vezes o elevador está em manutenção: ou você enfrenta os degraus e faz um exercício cardiovascular, ou pega outra vez o metrô para a próxima estação. A melhor estação é a Anvers, que fica perto do Funicular que leva até o topo da Butte (colina), onde fica o Sacré-Coeur. Algumas estações ficam um pouco mais distantes e se você se livrou dos degraus do metrô, na subida até o topo, passa por várias escadarias, aquelas com o corrimão no meio dos degraus com lampiões que a gente sempre vê em filmes que se passam em Montmartre. Em algumas saídas você tem a impressão que desceu na Saara do Rio.

Subindo escadas em Montmartre
Foto Dorotea Malheiros
Depois, porque Montmartre é muito turístico. O pessoal que vai lá quer ver o Sacré-Coeur (a vista de Paris de lá de cima é linda) que fica entupido de gente vendendo “souvenirs’’ e passear pela Place du Tertre, cheia de pintores querendo fazer o seu retrato na hora e lojas de “souvenirs”, todas elas vendendo a mesma coisa.
Bom, apesar de tudo isso, sempre que vou a Paris, dou um jeito de ir a Montmartre. Tenho várias razões para isso, uma delas é o museu de Montmartre.
O museu é um charme. É um conjunto de três prédios nos fundos do Sacré-Coeur, na rua Cortot, número 12, cercando três jardins, os jardins Renoir. Renoir morou num dos prédios, entre 1875 e 1877. Vários dos seus quadros famosos, tais como “le Bal du Moulin de la Galette”, “La Balançoire”, “Jardin de la rue Cortot “ foram pintados ao ar livre nesses jardins.

La Balançoirre, Pierre–Auguste Renoir, 1876
Hoje há reprodução dos quadros nos lugares onde Renoir os pintou, inclusive um balanço pendurado num galho de uma árvore do jardim. O jardim dá acesso às vinhas de Montmartre (ou melhor, o que sobrou delas). Logo na entrada dos jardins há uma sala de projeção contando um pouco da história dos artistas que moraram por ali em Montmartre, no final do século XIX, começo do século XX. Você já entra no clima do ambiente artístico logo de entrada no museu.

Le Musée de Montmartre , Rue Cortot, Paris.- France By PIERRE ANDRE LECLERCQ – Own work, GFDL, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=44352633
O “père” Tanguy, vendedor de tintas e expositor de obras de Van Gogh (muitas vezes ele recebia quadros em pagamento pelas tintas que fornecia para o pintor), morou num apartamento ali, que hoje é a lojinha do museu.
Em 1896 Susanne Valadon, modelo dos impressionistas Renoir e Degas, entre outros, que se torna pintora por incentivo de Degas, mãe de filho de pai desconhecido, Maurice Utrillo, se torna senhora distinta, casada com advogado rico, Sr. Paul Mousis e se instala no 12 da rua Cortot. Ela aproveita de sua estabilidade financeira para desenvolver sua carreira artística, recebendo lições de Degas. No terceiro andar, todo envidraçado, se encontra seu ateliê. Suzanne não tinha perfil de senhora burguesa recatada, gostava da companhia de artistas, e acaba se separando de Paul. Em 1912 ela se instala no terceiro andar, com seu filho e seu amante, André Utter (amigo de seu filho e 21 anos mais novo que ela). A história de Suzanne Valadon e de seu filho (emocionalmente instável, alcoólatra e também pintor) vale um artigo, mas o que quero dizer aqui é que o ateliê de Suzanne, o quarto de Maurice e a sala do apartamento foram restaurados e apesar de poucos dos móveis serem originais, pode-se ter uma ideia do ambiente em que os três viveram sua aventura.

Ateliê-apartamento de Suzanne Valadon e Maurice Utrillo
Foto Tangopaso – Self-photographed, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/wiki/CAtegory :Atelier- appartement de Suzanne Valadon et Maurice Utrillo
A coleção permanente do museu conta a história de Montmartre, a partir do fim do século XIX. De um lugar rural, cheio de moinhos de vento e vinhedos, Montmartre vai se transformando num lugar boêmio, onde artistas se instalam a partir de 1870. O aparecimento de cafés e cabarés em Montmartre faz com que o bairro seja ponto de encontro de burgueses ricos à procura de aventura com as “demi-mondaines” (prostitutas de luxo). Os cabarés mais famosos, Le Chat Noir de Aristitde Bruant (cantor e compositor de músicas sórdidas, que faziam sucesso entre os burgueses) e Le Moulin de la Galette (onde la Goulue, dançava o Can-can) foram eternizados pelos cartazes de Toulouse-Lautrec divulgando seus espetáculos. O Teatro de Sombras, criado em 1866 por Henri Rivière, no fim de 1887 se tornou um espetáculo de alta técnica e sofisticação.
A gente vai esbarrando com essa ambientação de Montmartre fim-de-século ao percorrer os andares do museu de Montmartre e ao fim da visita, você se sente transportado ao passado, tal como o personagem do filme Meia-noite em Paris do Woody Allen…
Isso é que me faz querer sempre voltar a Montmartre.

Saída do museu de Montmartre foto Sheila Veloso
Em tempo, o museu apresenta exposições temporárias muito interessantes, com temas relacionados a Montmartre. Vale a pena conferir.
Nota: a imagem destacada do post é de autoria de Shadowgate from Novara, ITALY – Montmartre Museum, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=41290669