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Sheila Hicks: o eterno tecer

Por Angela Nogueira
abril 29, 2018
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Sheila Hicks é uma das artistas que, sem nenhuma dúvida, consagraram o retorno do têxtil ao campo da arte desenvolvendo uma obra que, há mais de meio século, oscila numa interseção entre arte, design, artesanato e arquitetura. Sua resistência em se enquadrar em alguma dessas categorias é uma consequência natural de sua curiosidade e espírito aberto e que a levou a adotar a linguagem dos têxteis como seu principal meio de comunicação e expandi-lo de forma exponencial.

Uma das primeiras mulheres cursando artes em Yale, Sheila sempre seguiu suas próprias intuições e fez aquilo que queria: dos Estados Unidos para a América Latina (Chile e México, principalmente), e por fim se estabeleceu em Paris, numa época em que justamente se observava a mudança do “centro artístico” para New York.

Sempre consciente e ligada ao que acontecia na arte contemporânea, Sheila optou também por trabalhar com artistas e artesãos de todo o mundo, inventando novas técnicas e novos usos de materiais. De forma incansável, ela retorna ao seu trabalho, de novo e de novo. E com a mesma perseverança ela torna ambígua as fronteiras de sua obra. Seria ela uma artista? Uma designer? Não importa que todos os campos reivindiquem sua arte, Sheila é boa o bastante para preservar um certo véu de mistério. E ela vai muito além do que qualquer um no mundo do design, ou no do artesanato ou no mundo da arte. Ela cruza de um lado para o outro com uma enorme facilidade.

”Eu faço nós e, depois, eu os desfaço, para compreender”. (“Je fais des noeuds et, après, je les défais pour comprendre).

“Eu sou lenta. Levo tempo para construir algo e um tempo longo para compreender o que eu fiz. Eu retorno repetidas vezes ao mesmo trabalho. Muitas versões se acumulam…eu reconsidero os quebra-cabeças visuais”.  (texto extraído do catálogo da exposição Sheila Hicks Indeed, de novembro de 2015 a fevereiro de 2016, na Foundation De 11 Lijneen, na Bégica)

O ato de fazer e refazer de Sheila me levou direto à Mitologia Grega. Sheila sabe usar o tear para controlar as situações, da mesma forma que Penélope o fazia, segundo o mito descrito na Odisséia de Homero. Pensando sempre num possível retorno de seu marido Ulisses, a rainha tecia uma mortalha durante o dia e desfazia o trabalho à noite, evitando assim, astuciosamente, um novo casamento. Este e outros mitos gregos nos mostram que, desde a Grécia Antiga, além de necessária ao bem estar do lar e da família, a arte de tecer possui uma outra conotação importante, que é ser um modo de expressão e de comunicação essencialmente feminino.

Por outro lado, para as Penélopes modernas, como Sheila e todas as gerações de artistas que contribuíram para elevar a tecelagem ao patamar de arte, tecer é acima de tudo uma prática artística poderosa e política. Sheila Hicks inventa todos os dias, durante sessenta anos, novas maneiras de costurar, puxar ou amarrar fios de algodão, linho, lã, seda … Ela começa seu dia fazendo pequenos desenhos gráficos, feitos de fios ligados em estruturas mais complexas do que as de teias de aranha. Um exercício de alta meditação.

Sheila também se apropriou de um campo da arte considerado predominantemente masculino – espaço e escala –, trazendo uma nova energia e usando um meio essencialmente feminino, os têxteis.  Ela converteu o uso dos fios numa linguagem universal que se dirige a todo mundo, independente de idade, língua, cultura ou religião, iniciando uma prazerosa conversa num mundo em que todos tendem a se manter isolados.

Para entender como essa paixão pelo “tecer” tomou-a de forma tão envolvente, é preciso voltarmos ao passado e conhecer um pouco sobre sua vida e suas experiências.

Sheila Hicks nasceu em 1934 em Hastings, no estado de Nebraska, no meio rural, onde sua família tinha um pequeno comércio de itens diversos. Sua infância se passou sob os efeitos da grande depressão e da 2a. Guerra Mundial, com a família se mudando para diversos lugares durante este período. Seus pais incentivavam que ela e seu irmão frequentassem atividades extraescolares, como esporte, arte e música, o que abriu seu horizonte para diversas áreas de interesse. Além disso, os irmãos frequentavam os verões de Hastings na casa de suas tias avós, onde pintavam, desenhavam e costuravam.

Após terminar o High School em Winnetka, Illinois, Sheila decide estudar artes e vai para a escola de arte em Syracuse. Fica lá por dois anos e frequenta todos os tipos de aulas:  litografia, xilogravura, pintura a óleo, desenho figurativo e nu artístico, e até mitologia grega. Para ela foram dois anos de verdadeiro prazer. Até que uma amiga a incentiva a enviar seu portfolio para Yale.

Assim, em 1954, Sheila foi aceita na Yale School of Art and Architecture (uma das poucas divisões que aceitavam mulheres na universidade). E foi aqui que ela teve contato com duas figuras primordiais na sua formação: o chefe do departamento de artes, Joseph Albers, grande teorista das cores vindo da Alemanha, e o historiador de arte latino-americana George Kubler. As ideias trazidas da Bauhaus pelo primeiro e o curso de civilizações pré-colombianas ministrado pelo segundo, se amalgamaram de forma perfeita. Sheila pesquisou os efeitos físicos e psíquico da percepção das cores e a arte têxtil vinda das civilizações pré-colombianas, tema de sua tese de formatura. Totalmente arrebatada pelo livro “Os antigos têxteis do Peru e suas técnicas” (escrito pelo historiador Raoul d’Arcourt, que ela conheceu posteriormente em Paris), mergulhou definitivamente neste universo, tornando os têxteis a principal matéria-prima de sua arte.

Nesta época ainda, a convite de Joseph Albers visitou sua casa e conheceu sua esposa Anni Albers, célebre tecelã da Bauhaus. Lá viu pela primeira vez um tear de chão e percebeu que a artista alemã criava têxteis não utilitários, dando um novo significado a esse material macio e maleável.

Outra importante referência foram as aulas com o arquiteto Louis Kahn, que contribuiu para que ela desenvolvesse um especial senso de espaço, tão presente em sua obra até hoje.

Após se graduar em 1957, Sheila obteve com recomendação de Joseph Albers uma bolsa de estudos da Fulbright para a universidade do Chile e acaba lecionando na escola de arquitetura da Universidade Católica, dando continuidade ao curso iniciado por Albers. A temporada de um ano neste país foi fundamental em sua vida já que permitiu que ela viaje por diversas regiões do Chile e também de outros países da América Latina, onde explorou e pesquisou os tecidos artesanais nativos desses locais, o que definitivamente influenciou sua opção em trabalhar com as diferentes fibras.

Sheila se tornou parte do círculo artístico chileno e retorna a Yale para obter seu Masters of Fine Arts. Logo em seguida, se muda para o México, onde também se dedicou a fotografar arquitetura; o famoso arquiteto mexicano Luis Barragán ajudou a organizar sua primeira exposição na cidade, onde exibiu seus Míninos (pequenos trabalhos, assim batizados por ela, que são os “embriões de um processo criativo”)

e posteriormente teve alguns de seus trabalhos inseridos na coleção do Museu de Arte Moderna. Neste país ela conheceu seu primeiro marido (o apicultor mexicano-alemão Henrik Tati Schlubach) e mudou-se para seu rancho (Taxco el Viejo) em 1960, onde tiveram uma filha, a qual deram o nome de Itaka. Neste mesmo ano o MOMA de New York adquire uma obra sua: “Blue Letter”, onde ela inscreveu hieróglifos variando cada linha da trama.

Após uma breve estadia em Paris (1958) financiada por uma bolsa de estudos, retorna ao México e entende que sua vida numa cidade rural era incompatível com suas aspirações artísticas. Assim, em 1964 ela deixa seu marido para viver em Paris com sua filha e começa a trabalhar para a empresas Knoll Associates, garantindo seu início de vida na cidade. Conhece então seu segundo marido, o artista chileno Enrique Zañartu, que a introduz aos círculos artísticos surrealistas e latino-americano em Paris.

“É arte, tapeçaria, ou design, ou artesanato?”, diz ela, ecoando questões que devem tê-la perseguido através dos anos. E se morar em Paris a manteve afastada do mainstream da arte americana, também teve suas vantagens (ela hoje divide seu tempo entre Paris e Nova York, onde mora seu terceiro marido).

“Morando em Paris, eu podia flutuar entre todas essas categorias, sem nunca ser rotulada. Eu não era francesa, então eu não precisava me conformar em nenhum padrão. E mais ainda, há uma imensa liberdade em ser um estrangeiro. Você é um herege. Então, isso se torna um modo de vida”.

Em 1965, enquanto empreendia aquela que certamente é sua primeira obra-prima (“Banisteriopsis”, um empilhamento de peças em linho e lã de cor amarela), ela realizou seus primeiros trabalhos na Knoll Associates, as almofadas para a cadeira Tulip de Eero Saarinen. Logo também começou a trabalhar com a indiana Commonwealth Trust Handweaving Factory, para a qual concebeu o famoso tecido Badagara.

Banisteriopsis, 1965 – 1966 and Banisteriopsis II, 1965 – 1966 / 2010, The Montreal Museum of Fine Arts, Liliane and David M. Stewart Collection (Banisteriopsis II) / The Institute of Contemporary Art, Boston

Em 1966 ela tem duas importantes obras comissionadas: a primeira pela CBS (Columbia Boadcasting System) para decorar suas instalações em New York – “Grand Prayer Rug”; a segunda, os famosos medalhões em baixo-relevo amarelo-dourado que decoram o auditório e a sala de conferência o escritório da Fundação Ford, em New York.

Painel para a Fundação Ford, foto http://denadadesign.com/wp-content/uploads/2015/02/111111.jpg

Após 50 anos da obra original, em 2013 Sheila recriou os painéis que haviam sofrido danos, em seu ateliê em Paris, sem cobrar seu trabalho.

O convite para participar da Bienal de Tapeçaria de Lausanne em 1967 é um turning point em sua carreira. Sheila exibe um trabalho de cordas que pendem livremente do teto e que provoca questionamentos do público se aquilo seria uma tapeçaria. Com esta obra, no entanto, Sheila contribuiu substancialmente para revolucionar e redefinir a arte da tapeçaria até então praticada.

Sixth Re-Incarnation of the Prayer Rug  / CinDoc Web 4.7.0.0
Aide en ligne  Préférences  Contact Archives de la Ville de Lausanne
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Apesar das opiniões divididas quanto ao que representava a sua arte, a artista começou a atrair arquitetos e encomendas monumentais, requerendo estrutura e apoio de assistentes para atender às demandas. Sua inclusão na exposição “Wall Hangings” organizada pelo MOMA em 1969 (da qual Anni Albers também participou), lhe traz um reconhecimento definitivo como uma das mais importantes artistas da arte têxtil. Sua obra “Prayer Rug” ilustrou inclusive a capa do catálogo.

Capa catálogo exposição MOMA (1969): Sheila Hicks. Prayer Rug. 1965.

O ano de 1972 é considerado por Sheila um divisor sua carreira, quando ela foi convidada a participar da exposição “72-Douze ans d’art contemporain en France”, no Grand-Palais em Paris, ao lado de grandes nomes como César, Tinguely and Nikki de Saint Phalle (ela e Sheila eram as únicas mulheres presentes na exposição). Ela fala sobre essa mostra:

“Eu não esquecerei jamais esta experiência. Ela foi determinante para o meu futuro”

Seus trabalhos comissionados não pararam por aí e incluíram tapeçarias de parede para uma frota de 747 da Air France (1969-1977); obras para a Universidade Rei Saud, em Riad, na Arábia Saudita (1982-1985); obra para um centro cultural em Fuji, Japão (1992-1993); uma enorme escultura para a Target, em Minneapolis (2002-2003);

E foram vários os convites para participar em importantes bienais de arte tais como: Bienal de Lausanne, Bienal de Sydney, Glasgow International Festival, Triennial of Fiber Art de Hangzhou, Bienal de São Paulo (2012), Bienal do Whitney, em New York (2014), Festival de Outono de Paris (2016), Bienal de Veneza (2017) e instalações na High Line Projects, em New York (2017-2018).

Festival de Outono de Paris, 2016 / Sheila Hicks – jardins do Musée Carnavalet – Histoire de Paris 2016 © DROITS RÉSERVÉS © ADAGP, PARIS, 2018

Hop, Skip, Jump, and Fly: Escape From Gravity/ On the High Line at the Western Rail Yards – June 2017 – March 2018 – Foto http://art.thehighline.org/project/sheilahicks/

Além de diversas exposições e retrospectivas em museus e centros culturais de todo o mundo: Joslyn Art Museum de Omaha (Nebraska), Palais de Tokyo (Paris), Consortium (Dijon), Hayward Gallery (Londres), Centre Pompidou (Paris, 2018 – clique aqui para ver post sobre esta mostra).

Registros em seu caderno de anotações: diversos eventos em que participou nos últimos anos. Foto Angela Nogueira

“Meu trabalho tem por foco tirar a tapeçaria da parede e colocá-la no centro do espaço”

Sheila viajou por todos os continentes. Além da América Latina, India, Marrocos, Suécia, Alemanha, Israel, Arábia Saudita, Japão a África do Sul, interagindo e trocando com designers, artesãos, industriais têxteis, arquitetos e lideranças culturais, derrubando barreiras entre o artesanato e a arte. Durante suas viagens, ela observou pessoas trabalhando com fibras diversas não só como um passatempo, mas também como um estilo de vida. Ela vivenciou a vibração existente nas diferentes culturas e modos de vida, nos vários terrenos e paisagens. Ela viu pessoas fazendo coisas. Todas essas influências podem ser encontradas em seu trabalho até hoje.

Como ela gosta de dizer, seu trabalho é um processo que constantemente abrange pessoas, lugares, materiais, histórias e diferentes perspectivas. Ao longo de sua vida ela trabalhou com governos, museus, artesãos e arquitetos; ela desenvolveu tecidos em workshops de tecelagem manual na India; ela trabalhou com fábricas modernas e de alta tecnologia; ela produziu peças de escala monumental comissionadas para exposições em todo o mundo, sem que cada aspecto de seu trabalho tivesse precedência sobre os demais.

Tanto sua casa como seu estúdio em Paris são um centro de trabalho iminentemente vivo e aberto, onde fios e tecidos dão forma a uma linguagem internacional, tátil, sensível e imediata. Para Sheila, a criação é um processo em movimento, que se alimenta de encontros e diálogos que a marcam, culturas e técnicas estudadas,

Sheila zomba da ideia de desacelerar. “O que é aposentadoria?” ela pergunta rindo, acrescentando que aposentar significa ser libertado do trabalho, um conceito que, segundo ela, se torna redundante se você for libertado pelo seu trabalho. Ela observa ainda que em Machu Picchu, tecelões foram enterrados com seus teares, para que pudessem continuar trabalhando na vida após a morte. “Estou inclinada a também fazer isso”.

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