Sobre o MASP e Assis Chateaubriand

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) é um museu privado, criado em 1947, idealizado pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand (conhecido pelo apelido de Chatô), dono dos Diários Associados, um conglomerado na área de comunicação, incluindo a revista o Cruzeiro, os jornais O Jornal, o Diário de Notícias, a tevê Tupi (a primeira rede de televisão brasileira), dentre outros.
O acervo do MASP hoje é a maior coleção de arte europeia da América do Sul. Sua criação e manutenção foi fruto do espírito aventureiro, vanguardista e megalômano de Chateaubriand.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa estava em frangalhos: faltava tudo, a economia arrasada e o mercado de arte parado. Chatô teve a ideia de aproveitar o momento para se apropriar do maior número possível de obras, pensando no lucro que poderia ter com sua venda futura. Para guardar as obras, ele criaria « a maior galeria de arte do mundo » (segundo suas próprias palavras). A galeria tinha como modelo as galerias que visitara nos Estados Unidos e na Inglaterra e se instalaria num dos andares do novo prédio dos Diários Associados, em São Paulo. Para montar a galeria, ajudar Chatô na escolha dos quadros e gerenciar a galeria, ele contratou Pietro Maria Bardi, um marchand italiano que estava no Rio expondo pinturas italianas dos séculos XIII a XVIII, em viagem de núpcias com sua mulher, Lina Bo Bardi, que era arquiteta.
A história da contratação de Bardi mostra bem a maneira de ser de Chatô. Ele veio ao Rio ver a exposição e ao ser apresentado a Bardi, ofereceu a direção geral de sua galeria em São Paulo. Bardi pediu um tempo para responder à proposta, mas no dia seguinte, Chatô foi ao hotel onde se hospedava Bardi e foi logo dando ordens : Bardi iria com ele no dia seguinte a São Paulo para conhecer as instalações da galeria. Sua mulher deveria ir também, pois seria a responsável pelas obras de instalação da galeria.
Detalhe : a coleção de obras de Chatô naquela época consistia de algumas telas de Portinari, umas obras que adquirira para ajudar a resistência francesa, das quais a única importante era um quadro de Max Ernst, dois quadros de Canaletto e seis telas que ele acabara de comprar na exposição de Bardi. Como se isso não bastasse, o prédio dos Diários Associados ainda estava em construção e o andar da Galeria era simplesmente uma laje !!!
Mesmo assim, Bardi aceitou a aventura, convencido por Chatô de que as obras seriam compradas a um preço muito barato e que o dinheiro para a compra dos quadros viria de doações de homens e mulheres ricos da sociedade cafeeira de São Paulo.
A estratégia para arrumar dinheiro para a compra das obras, mesmo antes de a área da Galeria estar pronta, seguia o seguinte padrão : Chatô escolhia um (ou um grupo de) milionário(s) para doar o dinheiro para a aquisição de uma obra na Europa, e ao chegar ao Brasil, a pintura ou escultura era apresentada ao « High Society » do Rio e de São Paulo através de umas três festas. A primeira, regada a champagne e finalizada por um discurso, acontecia ao pé do avião (ou no cais do navio) que transportara a obra, para os convidados assistirem ao desencaixotamento da peça. As outras festas eram na casa de um ricaço do Rio ou de São Paulo, no Copacabana Palace. no salão nobre da Reitoria da Universidade Federal no Rio de Janeiro ou na Associação Comercial de São Paulo, na presença de autoridades, empresários, banqueiros e ricaços. Numa delas, Chatô não teve o menor constrangimento em discursar para a plateia de burgueses ricos que os ouvia, de uma certa forma embaraçada:
[…] O gosto pelas coisas belas não é um privilégio das elites. Também o povo aspira, instintiva e obscuramente, às emoções do encontro com um Rembrandt, um Velásquez, um Goya, um Greco, um Botticelli, um Tintoretto.
De onde, entretanto, tirar recursos para levar a arte ao povo? Formulam-se queixas contra a família voraz dos tubarões, mas conosco eles têm sido dóceis e flexíveis. Talvez porque lhes falemos pedagogicamente de seus deveres coletivos, eles costumam ouvir-nos.
Acentuamos os riscos que corre sua estirpe numa era que é o século dos assalariados e dos monopólios estatais. E eles sabem que, na verdade, o que fazem conosco são seguros de vida.
Estamos fornecendo salva-vidas à nossa burguesia. […] o Museu de Arte e outros programas que temos na incubadora, meus senhores e minhas senhoras, são os itinerários salvadores de vossas fortunas […].
Os métodos de Chatô eram, digamos, no mínimo, heterodoxos. Inicialmente o dinheiro arrecadado era entregue a Chateaubriand e remetido ao exterior em nome dos Diários Associados. As remessas eram autorizadas pelo Presidente da Republica, por amizade a Chatô, sem serem declaradas à receita federal. Depois, como o volume de dólares era grande e as remessas frequentes, Chatô inventou uma forma de mandar o dinheiro, sem que as doações fossem taxadas pelo imposto de renda : os empresários doadores fariam contratos de propaganda de suas empresas com os Diários Associados no valor das doações, mas o dinheiro pago era usado pela Associação para comprar as obras de arte.
E assim a coleção de obras do Museu ia crescendo, e a fama de Chatô na Europa como homem poderoso ligado às artes se espalhando…
Claro que nem tudo eram sempre flores : Chatô tinha seus inimigos, e houve uma campanha duvidando da autenticidade dos quadros adquiridos por Chatô para o MASP. A maneira que Pietro Maria Bardi encontrou para resolver a questão foi fazer uma turnê pelo mundo com as principais obras do acervo do MASP a fim de validar sua autenticidade pelos críticos de arte europeus e norte americanos.
Chateaubriand era um homem mediático, e soube tirar vantagem da situação.
A turnê começou em Paris, com uma exposição montada no museu de l’ Orangerie no jardim das Tuileries. Chateaubriand chegou a Paris 2 dias depois da inauguração da exposição, levando na bagagem 5 cachos de banana e 2 caixas de milho verde, que ele mandou entregar no restaurante Maxim’s. Ele havia conseguido um cozinheiro nordestino para fazer a sobremesa (banana da terra frita com canela e canjica de milho verde) do jantar que ele ofereceria ao high society e críticos franceses. Antes da sobremesa, ele pediu a palavra e disse em francês :
Mandei fazer uma sobremesa especial para vocês verem como é insípida essa pâtisserie francesa. Depois do que acontecerá hoje, vocês jamais quererão provar crepes. Vamos colonizar a França com canjica e banana frita. Que entrem os garçons para essa experiência civilizatória!
O jantar e a exposição tiveram um sucesso absoluto. A autenticidade do acervo foi comprovada pelos críticos franceses e convites foram feitos para as obras serem expostas nos principais países da Europa e o fim da turnê se deu no museu Metropolitan de Nova York.
Muitas outras histórias interessantíssimas sobre Chatô e seu envolvimento com o Masp estão relatadas no ótimo livro de Fernando Moraes, Chatô, o rei do Brasil (Companhia das Letras).
Só para finalizar, vale a pena mencionar o que aconteceu no dia seguinte à morte do Chateaubriand em 1968. O caixão estava no salão do edifício Guilherme Guinle (prédio pertencente à família Guinle na rua Direita, no centro de São Paulo), encostado numa parede de pé-direito de dois andares. O salão, repleto de gente, e de repente ouvem–se marteladas vindas da direção de onde o caixão se encontrava !
Trepado numa escada enorme estava Bardi, então diretor do Masp, pregando pregos. Depois, desce da escada e manda alguns operários pendurar três telas do museu : um Renoir, mostrando uma mulher nua, na parede do centro, bem em cima do caixão ; um Ticiano, mostrando o cardeal Cristóforo Madruzzo – o organizador do Concílio de Trento, na parede à esquerda do caixão, e na da direita, um Goya, mostrando d. Juan Antônio Litrente, secretário da Inquisição espanhola.
Após se recuperar do espanto, um dos diretores dos Diários Associados se aproxima de Bardi reclamando da falta de respeito de sua atitude: perante as maiores autoridades do país, num velório, a exposição de pintura de uma mulher nua ladeada por dois religiosos!!
Bardi responde com a maior calma: – Mas dottore, esta é a minha última homenagem a Assis Chateaubriand, vero? Nesta parede estão as três coisas que ele mais amou na vida: o poder, a arte e mulher pelada.
Desde 1968 o MASP se situa na Av. Paulista, 1578 – Bela Vista, num edifício projetado por Lina Bo Bardi. O prédio se notabiliza pelo vão de 70 metros sob 4 pilares. A mudança do MASP do prédio original na rua 7 de Abril para este local, foi motivada pela falta de espaço para acomodar o crescente volume do acervo e as atividades didáticas do museu.
O terreno do atual do Masp foi doado à prefeitura pelo idealizador e construtor da Av. Paulista, Joaquim Eugênio de Lima, sob a condição que a vista para o centro da cidade fosse preservada através do vale da Av. Nove de Julho. Para respeitar a exigência do doador, a construção deveria ser subterrânea ou suspensa. A solução dada por Lina Bo contemplou as duas opções, projetando um bloco subterrâneo e um bloco elevado, suspenso a oito metros do piso.
No edifício funcionam, além das salas de exposição, uma biblioteca, uma filmoteca, uma videoteca, um restaurante, uma loja, oficinas, ateliê, reserva técnica e a administração do MASP.
O prédio foi tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 2003.
No vão central, aos domingos, acontece uma feira de antiguidades onde, com sorte, ainda se pode encontrar algumas peças autênticas art-déco de boa qualidade.
Informações gerais
Horários
Segunda a domingo: 10h às 18h (bilheteria aberta até 17h30)
Quinta-feira: 10h às 20h (bilheteria até 19h30)
O MASP abre normalmente em dias de feriado, com exceção do Natal (24 e 25.12) e ano novo (31.12 e 1.1),
Ingressos
INTEIRA: R$ 30,00
MEIA: R$ 15,00 (Estudantes, professores e maiores de 60 anos)
Toda terça-feira a entrada é gratuita para todos.
Para menores de 10 anos, a entrada é gratuita.
Mais informações visite o site www.masp.art.br
Referências bibliográficas
Fernando Moraes –Chatô, o rei do Brasil, Companhia das Letras, 1994.